Serviço Telefónico

Placa identificativa do telefone público
Placa identificativa do telefone público, Julho 2020.

O primeiro telefone do lugar de Couchel foi instalado na residência do sr. Domingos Duarte de Carvalho, em Julho de 1958.[1] Viria ainda a ser instalado semelhante equipamento na Casa das Fontainhas e na residência de Maria da Purificação.

Só mais tarde ficaria disponível na aldeia um telefone público do Correio de Portugal. No centro da povoação pode ainda hoje ver-se a sua placa identificativa, que apresenta a imagem corporativa dos correios à data, concebida em 1964 pelo designer português Jaime Martins Barata.[2]


  1. Comarca de Arganil, 17-07-1958
  2. Logos dos Correios de Portugal

Ponte das Poldras

A ponte das Poldras dá acesso à povoação de Couchel para quem chega pela Estrada da Beira e cruza a Ribeira de Vila Chã.

Em junho de 1929, noticiava-se que já se achava “arrematada a construção duma ponte em cimento armado para passagem de carros no sítio das Poldras, afim de servir a povoação de Couchel”.[1]

A 11 de Setembro de 2001, estavam alguns membros da povoação a fazer obras de melhoramento do muro que encaminha as águas da ribeira junto à ponte quando lhes foi dada a notícia do atentado terrorista nos Estados Unidos da América.

Nas últimas décadas, a ponte manteve-se num estado de progressiva degradação, nunca tendo no entanto sido cortada ao trânsito geral, excepto no que se trata a pesados e em situações anormais, como cheias. Em 2016 recebeu merecidas obras de requalificação.[2]

A designação Poldras, que identifica o local, deverá ter origem nas “poldras”, nome dado às pedras dispostas num ribeiro de modo a permitirem que este seja atravessado por pessoas.

A Ribeira de Vila Chã nasce na serra de Mucela passando por Fonte Longa, Boiça, Vila Chã, Vale de Vaz, Couchel, Ponte Velha e Covelos até desaguar no rio Ceira.[3]


  1. Comarca de Arganil, 28-06-1929
  2. Boletim Municipal, 28-11-2016
  3. Manuel Leal Júnior. Vila Nova de Poiares: Monografia. Atlântico Editora, 1978
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Acessos a Couchel

Como descreve Aniceto Carvalho:[1]

Couchel é basicamente uma pequena povoação de cerca de um quilómetro, atravessada por uma estrada rural ladeada de casas de ambos os lados, com cinco veredas laterais, umas de ligação à vizinha povoação de Vale de Vaz, as outras a casas mais isoladas do povoado ou às terras de cultivo nas redondezas.

A antiga estrada principal que ligava Couchel aos lugares de Vale de Vaíde e Framilo seguia em direcção ao antigo forno de cal e saía próximo do actual cruzamento à entrada de Framilo. Haveria ainda uma ligação que passava pelos terrenos do Salgueiral para Vale de Vaíde.

Os acessos foram durante longos períodos descurados pela câmara de Poiares, o que levaria frequentemente a queixas públicas como é o caso da seguinte, publicada em 1934 pelo correspondente da Comarca de Arganil em Couchel:[2]

Esta laboriosa terra, no que respeita a melhoramentos e bemfeitorias, parece já há muito dormir o sono dos justos, não podendo por mais tempo estar votada a um ostracismo condenável e a um silêncio que a mata, se assim continuar. Os filhos de Couchel, que teem pela sua terra uma dedicação extrema, um amor sincero e leal, devem unir-se como um só homem, e organizarem o mais rápidamente possivel uma Comissão de Melhoramentos, de cujos nomes, pela sua representação social, depende a grandeza e elevação da terra que os viu nascer. Organize-se essa comissão, e, de harmonia com todos, solicite-se dos poderes públicos o auxilio de que a nossa terra necessita e carece. Couchel precisa de uma estrada em termos. Deve ser este um dos pedidos dos couchelenses, para ver se se realiza uma sua antiga aspiração. «Precisamos de uma estrada para a nossa terra!» — espalhai esta frase por todos os ouvidos, para ir transformando o desejo numa ideia fixa em tôdas as mentes, única forma de a conseguir. É árdua a tarefa dos que lutam sózinhos, e, porque assim é, uni-vos pela conquista de uma estrada que nos ligue à estrada nacional, para fazer desaparecer a que aí se encontra intransitável pelo seu mau estado de conservação.

Simultaneamente, a câmara dizia estar a “estudar” o ramal que “serve os lugares de Couchel e Vale de Vaíde”.[3] Passado um ano a questão mantém-se aparentemente votada ao esquecimento, o que leva a população de Vale de Vaíde a exigir acção rápida:[4]

Esta localidade é uma das mais populosas povoações do concelho de Poiares, que tem estado votada ao mais descaroável ostracismo. Há cerca de 20 anos funcionou aqui, durante alguns meses, uma escola móvel, regalia que deixámos de possuir. Antes, fôra construída uma fonte, mas a água foi captada nas peores condições de salubridade, de tal sorte que a população no inverno, abastece-se da água que corre pelas ruas e que escorre para a dita fonte e, na época calmosa, tem de se servir de poços distantes, porque não tem água suficiente para o consumo. São estes os melhoramentos aqui requesitados de há mais de 80 anos para cá.

Em 1931, foi iniciada a construção de um ramal para ligar esta povoação à estrada da Beira, em cujos trabalhos se dispendeu muito dinheiro, que, hoje, se considera perdido, em virtude de se não ter, concluido a obra. É uma necessidade que êsse melhoramento se efective, e, assim uma comissão de conterrâneos nossos acaba de se avistar com a camara, a quem fez entrega da seguinte representação em que se solicita o deferimento dessa nosssa justa aspiração:

Ex.mo sr. presidente da comissão administativa da camara municipal de Vila Nova de Poiares: Os abaixo assinados, moradores em Vale de Vaide, deste concelho, representando a vontade de toda a população deste lugar, veem muito respeitosamente rogar á ex.ma comissão administrativa, na pessoa de v. ex.ª para que se digne conceder a necessaria verba para com a possivel brevidade, ser concluido o ramal que liga esta já muito numerosa povoação à estrada nº 9, de 1ª classe, em Vale de Vaz, de onde esta dista apenas cêrca de 1 quilómetro.

Esse grandioso melhoramento, com o qual beneficiariam mais duas povoações—o Framilo e Couchel—foi iniciado em 1931 e lá os trabalhos se encontravam bastante adiantados quando foram suspensos e tudo abandonado, estando dentro em pouco intransitavel até para peões, e de tal modo que o grande numero de crianças destes lugares que frequentam a escola de Vale de Vaz, a uníca de que estas povoações se podem servir, teem que passar pelos matos com risco para a saude e por veses da própria vida. A continuar assim, não só prejudica muito os habitantes deste lugar, como se pode considerar perdido todo o dinheiro gasto. Portugal, devido à sábia orientação dos altos poderes do Estado Novo, é hoje uma nação que se impõe aos olhos do estrangeiro, porque tem dinheiro, boas estradas e muitos outros consideráveis melhoramentos que teem sido realizados. E não negam nunca os mesmos poderes a sua comparticipação nos melhoramentos, quando justos, ainda mesmo nos locais mais longinquos. Assim, admira-se a grande maioria daqueles a quem este concelho serviu de berço, porque ele não progride, e, enquanto os outros marcham a passos de gigante, nós esperamos pela iluminação electrica e por outros melhoramentos importantes. É, pois, animados de patriotismo e do natural bairrismo, que os expoentes se dirigem por esta forma a v. ex.ª, solicitando a conclusão do citado ramal e dando todo o apoio a v. ex.ª para a realização dos melhoramentos de que este concelho tanto carece, para se colocar ao lado dos que teem progredido, pois a sua população bem merece melhor sorte.

Vale de Vaide, 4 de outubro de 1935.

Francisco Ferreira Henriques, José Francisco Lourenço, Jaime Francisco, Raul Vaz de Carvalho, Abranches Henriques de Carvalho.

A comissão administrativa da camara mostrou os melhores desejos de nos atender, e oxala assim seja, para que em breve possamos ser dotados com essa via de comunicação. Á «A Comarca de Arganil» solicitamos tambem o seu auxilio para patrocinar a nossa pretenção, como tem feito com as aspirações de todos os povos desta região.

Uma dúzia de anos passam para que se voltem a encontrar documentadas as mesmas necessidades neste jornal regional:[5]

Foi aqui bem recebida a notícia, vinda n’A Comarca de Arganil, de que o nosso conterrâneo sr. Jaime Francisco se está a interessar junto da Casa do Concelho de Poiares em Lisboa, para que seja feito um ramal de estrada de Vale de Vaz para aqui. Oxalá aquele estimado amigo alguma coisa possa fazer em benefício da nossa aldeia, que bem digna é de ser atendida nas suas justas pretensões.

Ofício da Câmara, 1960
Ofício da Câmara dirigido ao Adelino Martins, da casa do Alpendre, 1960.

Em 1965 é referido no mesmo jornal que a estrada de Couchel foi alargada, tendo as obras sido “feitas a expensas do povo”.[6]

Couchel termina, numa das extremidades, na Estrada da Beira (Estrada Nacional 17), e a menos de dois quilómetros da Estrada Chaves—Faro (Estrada Nacional 2). A denominação Estrada Nacional começou a ser utilizada após a implantação da República, como substituição da antiga designação de Estrada Real. O troço da Estrada da Beira em Vale de Vaz fazia parte da antiga Estrada Real Lisboa–Beira. Todas as pessoas que iam para a Beira Alta utilizavam esta estrada.[7] Ambas aproveitaram o traçado de estradas mais antigas já existentes nesta zona.

Conta-nos Aniceto Carvalho:[1]

Hoje rasga-se uma auto-estrada através de uma montanha, abre-se um túnel por baixo do mar, desafia-se a natureza ao limite. Mal ou bem, é o que temos. Mas até há pouco mais de 100 anos, as estradas do Século XIX eram as rudimentares vias de comunicação por onde os nossos ancestrais tinham andado, as mesmas que tinham dado lugar às Vias Romanas, as quais que, por sua vez, eram os caminhos da Idade Média.

As vias de comunicação surgem naturalmente. Podem os urbanistas fazer os maiores esforços… porque bastam dois familiares chegados a viver em lados opostos de um pequeno jardim público para em poucos dias abrirem um carreiro na relva de uma porta à outra. É a lei natural das coisas: Ninguém vai de Lisboa a Leiria por Castelo Branco, como, por certo, há 3000 anos, ninguém vinha da gelada Beira Alta apascentar as ovelhas na aprazível planície entre a serra de São Pedro Dias e a do Carvalho pela serra da Lousã.

Chamem-lhes Iberos, Celtas, o que quiserem. Foi ontem, a dois dias da Era de Cristo. Muito antes disso, há milhares de anos que o homem vive e morre neste rectangulozinho. Perto de 30.000, no início do Paleolítico Superior, dizem as Gravuras de Foz Coa…

Mas quantos milhares serão mais que ainda não se sabe? A velha Estrada da Beira é uma via de comunicação natural. Sabe-se lá desde quando até há pouco tempo não havia melhor traçado entre a serra do interior e a planície da borda de água. O conquistador romano apenas aproveitou para transformar em Vias Romanas os dois caminhos ancestrais que se cruzavam no que é hoje Vila Nova de Poiares.

Os caminhos estavam lá. Tinham de estar.

Ainda a respeito da Estrada da Beira, escreve-nos também o historiador Pedro Santos:[8]

A Estrada da Beira é ainda hoje uma das vias mais importantes no campo da acessibilidade do concelho de Poiares. Quando projectada no século XIX foi alvo de muitas discussões! A questão da aproximação do concelho da Lousã foi uma delas bem documentada pelo Ilustre Poyarista Dr. Antonino Ferreira Lima, antigo membro das Cortes e influente político do Concelho. Em 1866 num periódico regional, o Conimbricense, o Dr. Antonino Ferreira Lima, em defesa do traçado que melhor defendia os interesses do concelho de Poiares publicava um comunicado onde chamava a atenção para as vantagens desse traçado se aproximar fortemente da sede do concelho de Santo André de Poyares, reforçando a importância duma feira de grande dimensão.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho
  2. Comarca de Arganil, 12-10-1934
  3. Comarca de Arganil, 09-10-1934
  4. Comarca de Arganil, 18-10-1935
  5. Comarca de Arganil, 14-01-1947
  6. Comarca de Arganil, 26-10-1965
  7. Toponímia da Freguesia de Poiares Santo André
  8. Pedro Santos. “Santo André de Poyares”: Paisagens e Memórias Urbanas, 2003
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A Minha Terra por Aniceto Carvalho

Seguem-se alguns excertos de textos deixados por Aniceto Carvalho sobre a terra onde cresceu:[1]

Couchel é basicamente uma pequena povoação de cerca de um quilómetro, atravessada por uma estrada rural ladeada de casas de ambos os lados, com cinco veredas laterais, umas de ligação à vizinha povoação de Vale de Vaz, as outras a casas mais isoladas do povoado ou às terras de cultivo nas redondezas.

Chegava-se a Couchel, e chega-se ainda hoje, por uma estrada escavada obliquamente na encosta de xisto, na qual, a partir do terceiro troço, só com alguns cuidados na escolha das velocidades e sem abrandar o pé do acelerador, se chegava ao planalto sem tremuras nem vacilações.

Num planalto, portanto, Couchel tinha cerca de trinta casas, alimentava na altura uma população a rondar as sete dezenas de almas, muito longe da fome e da miséria que hoje se vê noutras lonjuras por esse mundo fora.

Couchel não era o que parecia à chegada… Rodeado de linhas de água, de uma rua só, como uma coluna vertebral, toda a parte de trás da povoação inclinava suave numa zona de microclima incomum de aceitável regadio.

A minha pobre aldeia, (não tão pobre como as de Oklahoma e do Norte do Texas na mesma altura), no interior do Distrito de Coimbra, tinha cerca de 30 fogos, entre estes meia dúzia de casas mais ou menos burguesas. Os tempos foram passando, os aburguesados morreram, os descendentes foram à vida e deixaram a terra e as terras, tudo o resto foi atrás.

Beira Litoral Interior, a dois passos da Beira Alta. […]

Seguindo de Coimbra pela Estrada da Beira (Nº. 17), a cerca de 20 quilómetros, logo depois de passar ao lado da Ponte Velha, encontra-se a placa com a indicação do lugar de Vale de Vaz. Aí, no entanto, é a Tapada de Vale de Vaz. Foi onde o autor deste modesto trabalho sobre Vila Nova de Poiares nasceu… a cerca de cem metros do cruzamento para Couchel. E Couchel, que dali se vê no cimo da colina, à direita, foi onde o autor foi criado até aos doze anos. Vale de Vaz é a povoação que ladeia a estrada, logo a seguir à Tapada de Vale de Vaz.

Tudo o que somos, o que comemos, o que bebemos, até os medicamentos que tomamos para a saúde, tiramos da terra que pisamos. Toda a agricultura na minha terra era aproveitada de linhas de água, de terras razoavelmente aráveis e férteis, drenadas de poços e valas, alimentadas de nutrientes que escorriam das encostas em redor. Ínsua, Vale do Forno, Boiça, Marmeleiros, Património, Abelheiras. De subsistência… o melhor que havia, no entanto. Aquelas terras sagradas, hoje a mato de metros, alimentaram gerações de seres humanos que nunca pensaram em atravessar desertos e oceanos para se venderem como escravos em paraísos distantes. Bastava-lhes trabalhar.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho
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Electricidade e Iluminação

Obras de instalação da linha aérea de Média Tensão, Julho 2020
Obras de instalação da linha aérea de Média Tensão, Julho 2020.

Em novembro de 1962 é anunciada a “electrificação de Couchel, Gândara e Vale de Vaz”,[1] a qual é inaugurada em julho de 1963.[2] No entanto, só no final do ano de 1975 começam os estudos para a instalação eléctrica no Cabeço e Avessada.[3]

Em Setembro de 1979 é noticiada na Comarca de Arganil a requisição da instalação de braços de iluminação pública.[4]

Em 2012, à semelhança de outros municípios, foi implementado um plano de redução de consumo energético que implicou desligar alternadamente as luminárias, chegando aos 60% de focos desligados no concelho. Mais tarde, viria a ser desligada a iluminação pública por completo a partir das 3 horas.[5]

Em 2017 procedeu-se, com início no lugar de Vilar, à substituição de toda a iluminação para o sistema LED, ao abrigo de um concurso público ganho pela ESE – Empresa de Serviços de Energia. Tal permitiu minimizar o consumo energético e simultaneamente que fossem reactivados todos os postes anteriormente desligados.[6]

Uma das consequências, no entanto, foi que as antigas luminárias de cor âmbar foram substituídas por iluminação branca. A iluminação de cor âmbar era característica das nossas aldeias. Para além disso, existem alguns estudos que apontam para potenciais danos para a saúde e para os ecossistemas deste tipo de iluminação, e que recomendam por isso a aplicação de LED âmbar ou LED PC âmbar, de cor amarelo-alaranjada, que, apesar de serem “ligeiramente mais caras e menos eficientes” do que as lâmpadas LED brancas, “não têm os seus impactos”.[7][8]

Em 2019 começou a instalação de uma linha aérea de Média Tensão, a qual ficou concluída em 2020. Para tal foi necessária a limpeza de uma faixa de protecção nos sítios do Alto da Chã e Barreiro Salgado, até ao Cabeço.


  1. Comarca de Arganil, 01-11-1962
  2. Comarca de Arganil, 30-07-1963
  3. Comarca de Arganil, 27-12-1975
  4. Comarca de Arganil, 25-09-1979
  5. Boletim Municipal, 28-11-2016
  6. Boletim Municipal, 16-11-2017
  7. Poluição Luminosa: Deixar a noite ser noite – Público
  8. Lâmpadas LED brancas têm efeitos na saúde das pessoas e animais – Jornal de Notícias

Abastecimento de Águas

“Esta laboriosa terra, no que respeita a melhoramentos, dorme o sono dos justos!”. Assim começa o artigo “Couchel e as suas necessidades”, de Abril de 1932, em que é detalhado que a “principal necessidade de Couchel, presentemente, é um chafariz com água potável, pois a fonte de chafurdo que possui deve desaparecer por ser antiigiénica”.[1] Para endereçar o problema, recomendava-se a união dos filhos da terra através de uma comissão de melhoramentos.

A 20 de Setembro de 1932, publicava a Comarca de Arganil que começavam os “trabalhos da abertura da vala para a colocação das manilhas destinadas à canalisação de água para a fonte da Bica”.[2] Ainda a propósito da fonte, a 6 de Janeiro de 1933, o mesmo jornal noticiava que “devido ao tempo invernoso que tem feito, foram interrompidos os trabalhos de construção do nosso chafariz. Oxalá melhores dias venham para aqueles trabalhos recomeçarem, pois é da maior necessidade”.[3]

Em 1963 são anunciados trabalhos de beneficiação nas fontes de mergulho de várias localidades de Poiares, estando incluído Couchel.[4] É expectável que tal se referisse à Fonte da Bica, no entanto existiam à data outras duas fontes de mergulho ou de chafurdo, a mina da Quinta das Fontainhas e a Fonte das Tortas.

Em 1964, a actual administração do concelho mostra preocupação com o facto de Couchel e Vale de Vaíde não “poderem continuar a utilizar as fontes que agora possuem”, considerando que os casos requerem uma “urgente e condigna solução”.[5] Em 1967,[6] e novamente em 1968,[7] é noticiado que o “projecto de abastecimento”, “a partir do poço aberto em Casal do Gago” está “em plena execução”.

A fonte foi, como em muitas outras aldeias portuguesas, fundamental para o fornecimento de água para as necessidades do dia a dia. A água canalizada aos domicílios tardaria a chegar. Publicava-se a 24 de Agosto de 1976 que tais trabalhos estariam “quase terminados”,[8] mas as obras são novamente notícia em 1977[9] e 1978, sendo destacado o papel da população, que contribuíra em “grande escala, com o seu trabalho e alguns subsídios”.[10]

Em abril de 2017 foi recebido com grande expectativa o anúncio que seriam realizadas obras de requalificação da rede de abastecimento de água em várias aldeias, incluindo Couchel. Tais obras incluíriam a remodelação da conduta de abastecimento de água entre Couchel e Vale de Vaíde, num investimento estimado em 51.165 €.[11]

Em Novembro de 2017 era noticiado que em Couchel tinha sido “totalmente substituída a rede de abastecimento não só de água como de saneamento e águas pluviais”.[12] No entanto, a maioria das habitações continua a ser servida com a antiga canalização dos anos 70 que, de acordo com vários testemunhos, é em fibrocimento. Por essa razão, apesar da água de Poiares ter recebido o Selo de Qualidade Exemplar da Água para Consumo Humano,[12] em Couchel muitos habitantes continuam a utilizar água engarrafada para a alimentação de forma a evitar os riscos para a saúde do amianto, uma matéria-prima cancerígena de utilização proíbida em Portugal desde 2005.


  1. Comarca de Arganil, 05-04-1932
  2. Comarca de Arganil, 20-09-1932
  3. Comarca de Arganil, 06-01-1933
  4. Comarca de Arganil, 09-11-1963
  5. Comarca de Arganil, 06-10-1964
  6. Comarca de Arganil, 25-02-1967
  7. Comarca de Arganil, 12-10-1968
  8. Comarca de Arganil, 24-08-1976
  9. Comarca de Arganil, 23-04-1977
  10. Comarca de Arganil, 10-01-1978
  11. Boletim Municipal, 17-06-2017
  12. Boletim Municipal, 16-11-2017

Casa das Fontainhas

Casa das Fontainhas

A Casa das Fontainhas, por vezes referida em alguns documentos como a Casa de Couchel, é uma casa tipo apalaçada de grande importância patrimonial para o concelho de Vila Nova de Poiares. A construção actual é datada de 1769 mas, segundo registos orais, teria vestígios medievais ou romanos, em particular, uma fonte de água.

Viveram nesta casa nomes importantes para a região, como o Padre Doutor Francisco Ferreira de Carvalho, professor ligado à Universidade de Coimbra com várias obras publicadas,[1] e o Dr. José Sanches da Gama, “ilustre clínico e delegado de saúde deste concelho”.[2]

Terá sido habitada durante vários séculos, no entanto, terá também vivido alguns períodos de abandono, nomeadamente no período anterior ao final dos anos 40.[3] É nessa altura que, já como propriedade do Dr. Tomás Sanches da Gama, recebe importantes obras de restauro.[2] Há cerca de 20 anos a casa sofreu novas obras profundas, mas sempre mantendo a sua traça original.

Algumas curiosidades sobre esta casa:


  1. Toponímia da Freguesia de Poiares Santo André
  2. Comarca de Arganil, 13-02-1931
  3. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho
  4. Comarca de Arganil, 01-07-1941
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Sobre a Casa das Fontainhas por Aniceto Carvalho

Aniceto Carvalho

A respeito desta casa escreve Aniceto Ferreira Carvalho o seguinte:[1]

“Por carência de bens ou hábito ancestral a frugalidade na aldeia era o dia a dia… contudo, um aglomerado de trinta casas que vinha sabe-se lá de onde nos séculos à Casa das Fontainhas, Couchel teria muitos tesouros de história escondidos nas pedras ancestrais.

A Casa das Fontainhas terá resultado da descoberta de ouro no Brasil, por certo uma consequência do período de maior riqueza na história de Portugal, no Século XVIII, em particular no reinado de D. João V.

«Só é pena estar num poço» – considerei. E com efeito: A não ser por antigas e profundas razões sentimentais familiares, não era fácil de compreender um solar senhorial, obviamente de algum brilho à época e local, acoitado na parte de trás de Couchel, onde a velha rua do lugar se inclinava num baixio húmido e sombrio.”

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho
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Padre Francisco Ferreira de Carvalho

Casa das Fontainhas

Sobre este padre podemos ler na monografia de Vila Nova de Poiares por Manuel Leal Júnior:[1]

Era natural do lugar da Lombada, deste concelho, que nessa altura pertencia ao concelho de Tentúgal.

Frequentou com muita distinção a faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra, obtendo o grau de Doutor em 31-7-1827, vindo a ser professor da mesma faculdade, cuja regência manteve durante bastantes anos, imortalizando-se pela sua conduta e proverbial bondade.

Era muito estimado pelos seus discípulos e passava por nunca ter lançado um R na caderneta escolar dos seus discípulos.

Residia no lugar de Couchel, na «Casa das Fontainhas», e a família que o rodeava era das mais respeitáveis do concelho.

Escreve ainda José Dias Ferrão sobre o mesmo:[2]

O dr. Francisco Ferreira de Carvalho, doutorou-se na Faculdade de Cánones da Universidade de Coimbra, em 31 de julho de 1824. Posteriormente, entrou no magistério da sua Faculdade, onde chegou a lente catedrático.

O ensino das ciencias teológicas, jurídicas e sociais, estava dividido na Universidade de Coimbra em três faculdades: Teologia, Canones e Leis, perfeitamente autónomas, apesar das ligações que as ciencias nelas versadas tinham entre si, havendo até cadeiras comuns para os que frequentavam as diferentes faculdades.

A reforma universitária de 1837 fundiu a faculdade de Cánones com a de Leis, resultando dessa fusão a nova faculdade de Direito, para onde passou o ensino dos sagrados Canones, mais simplificado, porque o Direito Canónico, depois da famosa Lei Aurea ou da Boa Razão, passou a ter menor importância, e o ensino da Lei.

Ficando, assim, extinta a faculdade de Canones, o professor Francisco Ferreira de Carvalho transitou para a de Direito, e foi reger a cadeira de Direito Eclesiástico Português, no 5.º ano, onde foi substituído, depois de aposentado, pelo dr. José Pereira de Paiva Pita […]

Após a sua aposentação, o dr. Carvalho veio acolher-se ao confôrto da família, de seu irmão e sobrinhos, senhores da Casa de Couchel, onde viveu o resto da vida e aonde existia há poucos anos, na sala principal, o seu retrato, como recordação do seu nome ilustre.

Foi nesta Casa de Couchel que êle recebeu a visita de Alexandre Herculano a que já me referi nas colunas deste jornal, e que anda ligada à celebre carta escrita do Mosteiro de Lorvão ao estadista António de Serpa Pimentel, sôbre o estado miserável em que jaziam as tristes freiras daquele convento, e que lhes fôsse votada uma modesta pensão para não morrerem de fome e de frio.


  1. Manuel Leal Júnior. Vila Nova de Poiares: Monografia. Atlântico Editora, 1978
  2. Comarca de Arganil, 01-07-1941
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Personalidades que por cá passaram — Eugénio Sanches da Gama

Casa das Fontainhas

Sobre o professor Eugénio de Albuquerque Sanches da Gama podemos ler na monografia de Vila Nova de Poiares por Manuel Leal Júnior:[1]

Era natural da Lousã, onde nasceu em 1864, falecendo em Coimbra em 1933. Era filho do Dr. José Augusto Sanches da Gama, que foi Lente de Direito da Universidade de Coimbra, o qual se tornou conhecido pelos seus estudos sobre a matéria de águas no Código Civil. Foi autor da letra do Hino Académico e um seu cunhado, José Medeiros, grande rabequista, autor da música.

Este era professor do Liceu de Leiria cerca do ano de 1905, onde faleceu.

O Dr. Eugénio foi professor de Matemática e Ciências Naturais. Era também poeta, tendo publicado o seu primeiro livro de versos em 1885. Chamava-se «Primaverais».

Depois de ter frequentado o curso acima citado, formou-se em Direito, concluindo a formatura em 1892. Escreveu ainda os livros «Relicário de Simão Botelho» e «Pela Vida Fora». Colaborou na revista «Boémia» ao lado de António Nobre, Alberto de Oliveira e António Homem de Melo.

Antes de iniciar a sua vida de professor foi durante 7 anos comissário da polícia em Aveiro, onde depois foi professor do liceu, transferindo-se depois para Coimbra.

Casou com uma ilustre senhora, D. Maria Elisa Ferreira Pinto de Carvalho, sobrinha-neta do Sr. P.e Doutor Francisco Ferreira de Carvalho, natural de Couchel, tendo nascido na «Casa das Fontainhas». Eram pais do Dr. Sanches da Gama[2] que foi médico e Subdelegado de Saúde neste concelho e avô do Sr. Dr. José Maria Sanches da Gama, médico nos Hospitais de Coimbra.

Segue-se um dos poemas que consta em “Primaveraes”, intitulado “Noite de Aldeia”:

Ouve-se o chio arrastado
dos carros de bois, nas quelhas,
e o balido das ovelhas
e o latir dos cães do gado.

A natureza feliz
desdobra o seu manto ao vento;
das flôres fez o matiz
e das folhas fez o assento.

E na penumbra do monte,
dubiamente iluminado,
destaca o perfil nevado
das casas no horisonte.

A ribeirita pequena,
que desce pela collina,
reverbera a tremulina
da lua branca e serena.

E a lua tranquilla dorme
na amplidão celestial,
como uma perola enorme
'numa concha colossal.

— Eugenio Sanches da Gama, 1885

Para terminar, um soneto do poeta dedicado à Serra da Lousã, que sempre marcou presença no nosso horizonte em Couchel:[3]

Serra da Lousã

Montanha tutelar da minha infância
Que mil lembranças do passado encerra…
Nem nunca te assolou a dura guerra,
Nem perturbou a tua amena estância.

Dentre os pinhais de salutar fragância,
Os fumos brancos dos casais da Serra
Lembram manchas de neve sobre a terra
Azuladas na bruma da distância…

Berço de meus Avós, Montanha austera
Tens a nobre expressão grave e sincera
Donde irradia a paz serena e calma…

Como eu me sinto bem quando te vejo!
Ó Montanha sagrada, o meu desejo
Seria difundir-te na minh’Alma!

— E. Sanches da Gama


  1. Manuel Leal Júnior. Vila Nova de Poiares: Monografia. Atlântico Editora, 1978
  2. Seriam ainda pais de Tomás Sanches da Gama, que viveu na Casa das Fontainhas no final dos anos 40.
  3. Álvaro V. Lemos. A Lousã e o Seu Concelho: Monografia, 1950
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Personalidades que por cá passaram — Alfredo Moreno Mendiguren

Alfredo Moreno Mendiguren

Alfredo Moreno Mendiguren nasceu em Buenos Aires em 1925, mas foi criado e educado em Lima, Peru. Estudou Direito em San Marcos e, depois de exercer alguns anos como advogado, ingressou no serviço diplomático.[1] Foi adido da imprensa da Legação do Peru na Bélgica[2] e, mais tarde, Cônsul Geral do Peru em Lisboa.[3] Foi ainda publicista, redator do diário “La prensa” (editado em Lima) e subsecretário da Presidência da República do Peru.[4]

Alfredo casou-se em 1950 com D. Raquel Sanches da Gama Moreno, filha de Maria Amélia Câncio Mendes Sanches da Gama e do Dr. Tomás Sanches da Gama, à data proprietários da Casa das Fontainhas.[2]

Com vários livros publicados, destaca-se “Soplón” de 1963, uma obra de ficção sobre a corrupção no poder político, e que se inspira na sua breve passagem pelo mundo da política. A primeira edição desta obra manteve-se no primeiro lugar de vendas por vários meses e foi recentemente republicada.[1]

Ao que contam sempre se preocupou com o progresso da terra onde cresceu, onde aplicava todo o dinheiro que resultava da sua actividade profissional. A ocorrência de nacionalizações e expropriações nesse país a partir de 1969 tê-lo-ão afectado profundamente, tanto financeira como psicologicamente. Alfredo Moreno Mendiguren faleceu em Outubro de 1971, com apenas 46 anos.[5]

Alguns dos habitantes do lugar ainda se recordam de, em criança, brincarem com os filhos deste diplomata, quando aqui passavam umas férias no solar, sempre sob o olhar atento das criadas que os acompanhavam.


  1. Cartão de visita
  2. Entrevista sobre Soplón

  1. Notícia da reedição de Soplón
  2. Comarca de Arganil, 23-05-1950
  3. Comarca de Arganil, 25-05-1968
  4. Lista de Sócios do Instituto de Coimbra
  5. Comarca de Arganil, 23-10-1971
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Personalidades que por cá passaram — Alexandre Herculano

No seu livro “Cenas de Um Ano da Minha Vida e Apontamentos de Viagem”, Alexandre Herculano definiu “estas airosas redondezas de Poiares como uma espécie de trecho rústico da América Inglesa”.[1] Na sua visita a Poiares, terá ficado algum tempo hospedado na Casa das Fontainhas, como nos conta o escritor José Dias Ferrão:[2]

Por volta do ano de 1853, estava em férias, na sua casa de Couchel, o dr. Francisco Ferreira de Carvalho, natural de Lombada (Vila Chã), que se havia doutorado na faculdade de Cánones da Universidade de Coimbra, em 31 de julho de 1824, e onde regia a cadeira de Direito Eclesiástico Português, em que foi substituído pelo meu antigo mestre e amigo dr. José Pereira de Paiva Pita, da Quinta da Várzea (Penacova). E encontrava-se também na Abraveia o padre José Vicente Gomes de Moura, grande humanista, professor aposentado do ensino das linguas grega e latina do antigo Colégio das Artes, hoje liceu de Coimbra.

Aproveitando esta oportunidade de fazer uma visita a estes dois homens eminentes, veio a Poiares Alexandre Herculano. Hospedou-se na Casa de Couchel, e ali estiveram os três amigos reunidos não sei por quanto tempo.

Mas o grande historiador queria aproveitar a sua estada ali para ir mais além, numa importante investigação científica e humanitária.

Queria atravessar o Mondego e ir ver Lorvão, o opulento mosteiro real das religiosas da ordem de S. Bernardo, um dos mais antigos da Europa, que fôra notável pelas suas preciosidades e pelas suas recordações históricas, onde repousam duas filhas de D. Sancho I.

Organizou-se uma pequena cavalgada, em que os dois amigos de Herculano o acompanharam até à barca do concelho, em frente da povoação da Rebordosa. Ia também na comitiva o referido cidadão Francisco Correia da Costa, que voltou para casa da margem do Mondego, com os dois ilustres poiarenses.

Na passagem em Santa Maria, o dr. Carvalho lembrou ao sábio historiador a lenda do «Bispo Negro», que ele conta como um romance da cavalaria medieval, nas páginas brilhantes das suas «Lendas e narrativas», e chamou-lhe a atenção para as inscrições gravadas nas ditas pedras que estão perto da igreja. Apearam-se e foram ver. O historiador deteve-se em frente das mencionadas inscrições. Examinou-as bem. Nada disse. Pediu, por último, a Correia da Costa que lhe mandasse, gravada em cêra, a que está na casa denominada o «celeiro», o que êste fez, sem que jámais tivesse notícia dela.

Se é certo que nada resultou da visita de Alexandre Herculano a Santa Maria, não sucedeu o mesmo com a sua estadia em Lorvão, porque do fundo do estreito, onde fica situado o convento, escreveu êle a memorável carta dirigida ao conselheiro António de Serpa Pimentel, que está publicada no volume I dos «Opusculos», onde, a par duma profunda e justa apreciação histórica, se revelam os mais nobres e elevados sentimentos de humanidade.

Dêste valiosíssimo documento, resultou que o Govêrno de então viesse em socorro das pobres freiras que ainda existiam naqueles ruinosos claustros, onde a tristeza, a fome e a velhice as ia matando lentamente.


  1. “Cenas de Um Ano da Minha Vida e Apontamentos de Viagem” de Alexandre Herculano
  2. Comarca de Arganil, 05-07-1940
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Buick Eight e a Junta de
Bois por Aniceto Carvalho

Buick Eight e a Junta de Bois

Conta-nos Aniceto Ferreira Carvalho um episódio relacionado com a Casa das Fontainhas:[1]

Por certo a viver de pergaminhos, mas sem dinheiro para as obras, com ligações familiares à Casa da Abraveia, o remanescente da família das Fontainhas deixou Couchel para trás. É então que pelo final da Guerra aparece em Couchel um tal doutor Tomás que tem ligações por casamento à Casa da Abraveia que vem pôr a Casa das Fontainhas a brilhar.

Obras grandes numa povoação pequena dão nas vistas… E fica então a saber-se que o doutor Tomás é irmão do doutor Sanches da Gama, médico em Vila Nova de Poiares, e que, graças ao conflito mundial, se já era rico, ficou a deitar dinheiro pelas costuras.

O doutor Tomás trazia um reluzente automóvel azul-escuro, ou preto, que nunca mais acabava. BUICK EIGHT… estava lá escrito. E aqui entro eu: Tudo naquele automóvel era demasiado grande para não me extasiar. Com a ladeira molhada veio o dia em que nem todo o esplendor do luxuoso Buick o salvou de alapar no último troço da subida, a mais íngreme, antes de chegar à casa do meu avô.

Como sempre, quando a moderna tecnologia emperra, nada é melhor e mais eficiente que o recurso aos processos ancestrais. O meu avô tinha a solução: E assim, um fascinante último modelo de Buick chegou a Couchel rebocado por uma junta de bois.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho
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Capela da Eira dos Santinhos

Capela de Nossa Senhora do Amparo, no sítio da Eira dos Santinhos
Capela de Nossa Senhora do Amparo, no sítio da Eira dos Santinhos.

As capelas do concelho de Vila Nova de Poiares apresentam arquitecturas distintas. No entanto, a capela de Couchel é curiosamente semelhante à capela de Santa Madalena, que se encontra entre as povoações da Abraveia e Pinheiro. Apesar de com o passar dos anos ter beneficiado de algumas obras, nomeadamente no que toca à sacristia (a qual foi ampliada), fotografias antigas desta capela podem facilmente confundir-se com a de Nossa Senhora do Amparo, em Couchel, não fosse o seu alpendre e campanário.

Desta forma, tal como descreve António Filipe Pimentel a capela de Santa Madalena, a de Couchel também se compõe “de um edifício rectangular, de moderadas dimensões, que ao lado esquerdo se prolonga noutro que lhe supre as funções de sacristia”. Possui a porta principal, axial em relação ao templo, e “uma outra, mais pequena, serve de entrada lateral, no lado oposto à sacristia”.[1]

São várias as histórias e personalidades que ligam estas duas aldeias do concelho de Poiares, mais do que com quaisquer outras. A capela de Santa Madalena resulta de uma reconstrução de um templo já existente em 1778.[1] É conhecido também que essa capela esteve a cargo do padre José Vicente Gomes de Moura, entre 1816 e 1844,[1] amigo do padre Francisco Ferreira de Carvalho da Casa das Fontainhas.[2] Quanto à capela de Couchel, não é do nosso conhecimento em que ano terá sido construída.

Capela de Santa Madalena, entre a Abraveia e o Pinheiro
Capela de Santa Madalena, entre a Abraveia e o Pinheiro.

O documento mais antigo nos registos da capela data de 1924, assinado pelo padre da Avessada, Francisco Ferreira de Carvalho Lucas. No que respeita a festas religiosas, é feita menção de uma festa em honra de Santo António em Novembro de 1946.[3] Em 1954, é divulgado o programa de festas em honra de Nossa Senhora do Amparo com Domingos Duarte de Carvalho, Caetano Fernandes de Carvalho, Joaquim Carvalho Pedroso, Ilídio Lopes e Artur Carvalho como mordomos.[4]

Em 1959 a capela encontra-se em elevado grau de degradação, o que leva Domingos Duarte de Carvalho a presidir uma comissão com vista a realizar as necessárias obras.[5] Os documentos mantidos pela comissão revelam a ordem de trabalhos:

Cimar as paredes 50 centímetros para ficar com 3,50m de altura. A sacristia com 3,50m de comprido por 3m de largo a aproveitar toda a altura que se lhe possa dar com as frestas e coberto com a telha velha, e o chão acimentado, com uma porta virada para a frente da capela e outra que é coberta ao lado do altar, todas as paredes são rebocadas com massa.

Altar da capela com a imagem da Nossa Senhora do Amparo
Altar da capela com a imagem da Nossa Senhora do Amparo.

São vários os programas de festas que se podem encontrar nos jornais ao longo dos anos,[6][7][8][9] realizadas graças ao esforço de pessoas a viver ou com ligação à aldeia. A título de exemplo em 1979 anunciava-se:[8]

É já nos próximos dias 4, 5 e 6 de Agosto que se realizam nesta localidade as tradicionais festas em honra de Nossa Senhora do Amparo. O programa é o seguinte:

Dia 4 (Sábado) — Às 8 horas, alvorada; às 9, chegada do Grupo de Zés P’reiras. de Ribeira de Frades (Coimbra), que darão início às festas percorrendo todas as ruas da localidade; às 14, abertura da quermesse; às 16, início do primeiro torneio de tiro aos pratos, tendo em dispute valiosas taças; às 20, abertura do arraial; e às 21, chegada do Conjunto «Abba-Kay».

Dia 5 (Domingo) — Às 8 horas, alvorada; às 9, abertura da quermesse; às 16, missa e sermão, seguindo-se a procissão que percorrerá o itinerário do oostume, acompanhada pelo agrupamento musical «Os Rouxinois do Ceira»; às 19, leilão de oferendas; às 20-30, abertura do arraial; e às 21, chegada do popular Conjunto «Os Teclas», que abrilhantará, o arraial.

Dia 6 (Segunda-feira) — Às 8 horas, alvorada; às 9, abertura da quermesse e chegada do Grupo de Zés P’reiras, de Ribeira de Frades (Coimbra), que uma vez mais percorrerá as ruas da localidade; às 18, leilão de oferendas; e às 21, início do arraial abrilhantado pelo Conjunto «Sector 4».

Varanda que em tempos serviu de palco para o conjunto da festa
Varanda que em tempos serviu de palco para o conjunto da festa.

Já neste século, a capela encontrava-se novamente a necessitar de obras, tendo sido realizados trabalhos após a tomada de posse de uma nova comissão, em 2004. Entre outras obras, foi arranjado o telhado, restaurado o altar e adicionada uma casa de banho para servir em ocasiões de missa e festa.


  1. Revista Munda nº9, Maio 1985
  2. Comarca de Arganil, 05-07-1940
  3. Comarca de Arganil, 08-11-1946
  4. Comarca de Arganil, 21-09-1954
  5. Comarca de Arganil, 17-09-1959
  6. Comarca de Arganil, 17-09-1957
  7. Comarca de Arganil, 21-09-1954
  8. Comarca de Arganil, 28-07-1979
  9. Comarca de Arganil, 26-07-1980

Topónimo «Couchel»

Topónimo

Carolina Michaëlis de Vasconcelos relaciona a origem de conchelo com coucelo, uma planta crassulácea existente nos muros e telhados cujas folhas parecem conchinhas chatas[1] (também conhecida por arroz dos telhados).[2] Já Santos Agero defende que a origem de coucelo reside no latim “calicellu”, diminutivo de cálice.[3]

Em “Toponímia Moçárabe no Antigo Condado Conimbricense” é referido que esta hipótese será mais provável do que uma relação com a interjeição coch, coche ou cuch (e), usada para chamar o porco, a qual passou posteriormente a designar o próprio animal ou a sua cria. Menciona ainda que o português antigo possuía as formas cochom e cochõa, também aplicadas a pessoas de baixo nível.[3]

Na crónica “Perguntar não ofende” da Comarca de Arganil, Zé dos Tojeiros (pseudónimo do Dr. Antonino Henriques da Moura Morta)[4] assume ainda como hipótese, para além da conhecida planta conchelo, a configuração do terreno em forma de concha.[5]


  1. Glossário do Cancioneiro da Ajuda
  2. Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos por Leite de Vasconcelos
  3. Toponímia Moçárabe no Antigo Condado Conimbricense” por Maria Luísa Marques de Azevedo
  4. Dr. Antonino Henriques — Ponte de Mucela Desperta!
  5. Comarca de Arganil, 17-07-1986
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Tombos de Couchel

Os Tombos de Couchel

Segundo uma resenha histórica sobre a restauração do concelho de Poiares, esta povoação começa a ser atestada por documentos do Mosteiro de Lorvão desde muito cedo.[1]

A Quinta de Couchel era uma importante propriedade do mosteiro, que foi demarcada e confrontada pelo Corregedor da Comarca de Coimbra e escrivão dos tombos do Mosteiro de Lorvão em 1787, ficando descrita da seguinte forma:

“A quinta de Couchel parte do levante (oriente) com terras do Morgado, Senhor de Penacova, do poente com terras da Universidade de Coimbra, norte e sul com terras da Lousã e Ducado de Aveiro.”[2]

Segundo José Maria Dias Ferrão, os decretos de 1836 que formaram o primitivo concelho de Poiares (“Santo André de Poyares”, no Reinado de D. Maria II[3]) incluiam “Valle da Clara, Couchel e metade de Framillo, fronteira que ainda hoje se mantém”. Fez parte do primeiro senado do primitivo concelho de Poiares o couchelense Caetano Ferreira de Carvalho.[2]

No Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa podemos encontrar também, do ano de 1677, o “Livro do Tombo das Terras de Poyares & Couchel” e ainda o “Tombo dos reconhecimentos dos lugares de Couchel, Valdovas, Rouqueira e da Quinta da Coruveira e de Villar e do Crasto, e de Pereiros, e Soutello e de outros lugares, com seus casais, e demarcação pertencentes à renda de Santo Andre de Poiares, termo de Pennacova”.[4][5]

No Arquivo da Universidade de Coimbra, o “Rezumo do Tombo Novo de Couchel, anno de 1793” inclui detalhados registos, como bens e nomes de numerosos habitantes.[6]


  1. Resenha Histórica Comarca Arganil
  2. José Maria Dias Ferrão. Concelho de Poiares: Memoria historica, descriptiva, biographica, economica, administrativa e critica. Typographia Louzanense, 1905
  3. Pedro Santos. “Santo André de Poyares”: Paisagens e Memórias Urbanas, 2003
  4. Tombo Terras de Poiares e Couchel
  5. Tombo dos Reconhecimentos dos Lugares de Couchel
  6. Revista Munda nº9, Maio 1985
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Sobre a Ribeira de Vila Chã por Aniceto Carvalho

Escreve Aniceto Carvalho:[1]

Vistas dali do alto da Eira, algumas terras no vale da Ribeira de Vila Chã era como não querer ver com a mão à frente dos olhos de dedos abertos: Por mais que tentasse afastar o olhar, o que mais me fazia voltar aos dez anos era o choro do engenho do Joaquim Martins ao lado do Chão da Vinha.[2]

Era uma festa. De terras normalmente alagadas nos Invernos, portanto, em geral, razoavelmente produtivas, toda a várzea da Ribeira de Vila Chã era, no Verão, uma cantilena de engrenagens de engenhos a chiar, de burros a gemer, (na minha terra chamava-se burro à picota ou cegonha), de gente aqui e ali a regar, a sachar, a desfolha, por fim a apanha do milho, o ritual da descamisada, os cantares ao desafio e o milho rei.

Não se confunda, no entanto: sem o mínimo das condições dos nossos tempos, embora já nem se saiba se para bem ou para mal, este quotidiano tranquilo, o mais certo por defesa natural, nada tinha a ver com os devaneios líricos do Virgílio, como estes nada tinham a ver na altura com os pobres camponeses e pastores da Arcádia. Era assim… e, parece, dormia-se muito bem.

Dali de cima via-se tudo, dos Moinhos às Paúlas: o Zé Cristo nos Atoleiros, o meu avô na Ribeira, o Joaquim Martins no engenho… lá de cima, da Eira, porque nesta altura da rega, cá em baixo, no vale, ninguém se via uns aos outros no meio do milho a meia dúzia de metros.

Eu era “cá de baixo”. Tinha nascido ali mesmo na Tapada de Vale de Vaz.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho
  2. Nome dado aos terrenos em Vale de Vaz que ficam do lado oposto da ribeira aos terrenos de Chão da Fonte.

Um Ninho na Fonte das
Tortas por Aniceto Carvalho

Rouxinol

Escreve Aniceto Carvalho:[1]

Encontrar um ninho deste artista, um rouxinol, era um prodígio. Um dia achei um na Fonte das Tortas. Na minha boa fé ensinei-o ao Alberto “Mascarenhas”, o meu maior amigo. Avisei-o repetidamente:

Se roubares este ninho, mato-te, corto-te aos bocadinhos e dou-os ao cão da Abessada, o Mondego, e ao Liró, o cão do Ti António Henriques!

O Alberto nem pestanejou: Logo que virei as costas, roubou o ninho. Não matei o Alberto “Mascarenhas” mas, fica aqui dito que foi por uma unha negra que não o entreguei num cestinho à ti Maria do Alpendre.

“Mascarenhas” porque a minha tia Alcina achava que Mascarenhas queria dizer artolas. Mas não. O Alberto não era artolas. Nem perto. Na verdade era muito mais ajuizado do que eu com uma paciência infinita para me aturar. O Alberto continuou a ser o meu maior amigo e, por certo o meu melhor amigo de todo o sempre se acaso tivéssemos seguido vidas próximas.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho

Sobre o Chão da Fonte por Aniceto Carvalho

Chão da Fonte

Escreve Aniceto Carvalho:[1]

Não sei a quem a propriedade pertencia, ou pertence, nem sequer me recordo de a ver amanhada na época. Penso que não. O Chão da Fonte era uma leira de 200 metros de comprido por 30/40 de largo que, embora na margem esquerda da ribeira de Vila Chã, aparente terra fértil mas, porque numa zona de remoo e sedimentos pobres e no sopé da ribanceira que descia de Couchel, não prestava para nada.

Da viúva do coronel Natividade Salgueiro, acho eu. Lembro-me de ter visto por lá 30 anos depois um neto genro do velho militar com um tractor para trás e para diante a levantar nuvens de terra…

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho

Padre Francisco de Carvalho Lucas

Casa da Avessada

Na única casa da Avessada de Couchel nasceu e faleceu o Padre Francisco Ferreira de Carvalho Lucas, filho do barbeiro João Ferreira de Carvalho Lucas,[1][2] e afilhado do Padre Francisco Ferreira de Carvalho.[3] Era “um grande orador sagrado, sendo célebres os seus sermões pregados nas igrejas das redondezas”.[4]

Escreve José Dias Ferrão a respeito deste padre:[2]

Era dotado duma inteligência viva, alegre, cáustico e excelente cavaqueador. Tinha para tudo uma anedota, que ele sabia acompanhar, nos momentos de boa disposição, com um riso franco e comunicativo. Era como Esopo, célebre fabulador grego, que tudo castiga com o riso. O riso do ridículo.

Era natural do lugar de Couchel, filho do barbeiro João Ferreira Lucas, que desde criança o entregou aos estudos e o meteu no Seminário de Coimbra, para tomar o estado eclesiástico. Tal era a aspiração de seu pai. Mas parece que não era a dele, porque desde a adolescência que mantinha no seu coração uma tendência amorosa, que era forçado a contrariar. E foi essa paixão que lhe inspirou os primeiros versos e o tornou familiar das Musas.

Mas, apesar de tudo, não fez como o “Ingénuo” de Voltaire, que, por causa do amor que dedicou à formosa menina de Saint-Yves, se recusou a tomar ordens de sub-diácono.

O padre Francisco Ferreira de Carvalho Lucas tirou, com distinção, o seu curso do Seminário, tomou ordens e cantou missa na igreja de Poiares.

Mas a poesia acompanhou-o sempre como um dom natural, embora o amor fôsse esmagado ao nascer. Ele continuou a cantar “como o amor morre!”.

E os seus versos, lidos aos seus amigos, que os admiravam, poucos viram a luz da publicidade, porque neles se revelava, como nos sonetos de Camões, a paixão da “Natércia”, que pretendia disfarçar.

Muitas anedotas, em que era ele próprio o autor, entretinham e animavam a sua conversação, sempre interessante, quando os seus horríveis sofrimentos lhe davam um pouco de descanso. […]

Pode, pois, considerar-se o padre Francisco como uma figura interessante, um poeta e um orador sagrado a quem não faltavam qualidades de talento e inspiração.

Era ainda, segundo algumas fontes, nomeadamente a Monografia de Vila Nova de Poiares de Manuel Leal Júnior, um “grande matemático”.[4][5][6] No entanto, José Maria Dias Ferrão considera que tal não passa de um equívoco:[2]

Muito se havia de rir o Padre poeta, como em tempo lhe chamavam, se ainda fôsse vivo em 13 de janeiro último, quando lhe fôssem dizer que, a Câmara do seu concelho, o havia proclamado “grande matemático”.

Tudo poderia esperar dos seus conterrâneos, de quem sempre viveu longe, menos esta proclamação, que, se nada tem de ofensiva, é de todo destituída de verdade.

Nem o padre Francisco se dedicou ao estudo das ciências abstratas, nem jamais teve tal pretenção, quando nas suas horas vagas resolvia simples problemas de aritmética elementar, como a obtenção da superfície dum quintal e a cubagem de uma pipa, coisas que alguns professores de instrução primária do seu tempo completamente ignoravam.

É possível que se tenha confundido, por alguma razão, este padre com Rufino Guerra Osório (1810-1871), natural de São Miguel de Poiares, membro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e professor de matemática na Universidade de Coimbra, com diversas obras publicadas na área da matemática, geometria e trigonometria.[7][8]

Logo após a sua ordenação, foi convidado para capelão de Serpins, para onde ia todos os domingos partindo de Couchel, montado numa égua do seu pai, em que ele andava a fazer a barba aos seus fregueses.[2] Passaria por diversas paróquias, como a de Cantanhede, onde passou a maior parte da sua vida pastoral, e que o faria “conhecido e apreciado em quasi tôda a Bairrada”,[2] e concorreria a outras, como a de Buarcos.[9]

Paroquiava a freguesia de Vila Nova de Ceira desde 1894[10][11] quando a 15 de Agosto de 1898 inaugurou a Capela de Nossa Senhora da Candosa, no “pitoresco cêrro do Cabril”, com a ajuda de um “grupo de homens bons, seus amigos e paroquianos”.[12]

O padre Francisco acabaria por se aposentar em 1912.[13][11] Pode ler-se a esse respeito na Comarca de Arganil:[14]

Retirou para Couchel, sua terra natal, o sr. padre Francisco Ferreira de Carvalho Lucas, que há 17 annos parochiava esta freguezia. O sr. Padre Francisco deixou entre nós inumeras saudades, pela sympathia que sempre nos mereceu e pela amizade que sempre nos dispensou. Esta freguesia[15] mostra-se devéras compungida com a sua sahida.

Publica ainda José Maria Dias Ferrão, na Comarca de Arganil:[2]

Quando vagou a igreja da Várzea de Góis, por morte do antigo pároco, padre Napoles, o padre Francisco Ferreira Lucas concorreu a esta paróquia, por ser de menos trabalho do que aquela em que estava, porque já a êsse tempo a doença o atormentava.

Foi nela colado, e ali exerceu a paroquialidade, embora com sacrifício, durante alguns anos, até que, sendo separada a igreja do Estado, pelo novo regimen, e não podendo trabalhar, não havendo aposentação para os párocos, viu-se forçado, por necessidade, a receber uma pensão humilhante, que lhe dava cêrca de 13$00 mensais e a ir acabar os dias em Couchel, em situação muito precária, senão miserável. […]

Ultrapassou muito a vulgaridade de alguns dos seus conterrâneos pelo mérito intelectual, que o poderia ter levado muito mais longe se não fôsse uma pertinaz doença que o acompanhou durante muitos anos, e, por último, lhe criou o desprêzo da vida até à completa aniquilação.

Terá falecido na Avessada de Couchel, onde nasceu, por volta do ano de 1924.[10]


  1. Relação dos estudantes matriculados na Universidade de Coimbra
  2. Comarca de Arganil, 11-07-1941
  3. Toponímia da Freguesia de Poiares Santo André
  4. Manuel Leal Júnior. Vila Nova de Poiares: Monografia. Atlântico Editora, 1978
  5. Comarca de Arganil, 17-01-1941
  6. Comarca de Arganil, 31-01-1941
  7. História da Ciência na UC — Rufino Guerra Osório
  8. Oração fúnebre — Rufino Guerra Osório
  9. Correspondência, Casa Comum — Fundação Mário Soares
  10. Comarca de Arganil, 04-06-1959
  11. Concelho de Góis — Memórias
  12. Comarca de Arganil, 22-06-1948
  13. Arquivo Digital do Ministério das Finanças
  14. Comarca de Arganil, 29-02-1912
  15. Refere-se à freguesia de Folques, Góis
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Logogrifos do Padre
Francisco de Carvalho Lucas

Logogrifos do Padre Francisco de Carvalho Lucas

Conta Dias Ferrão a respeito do padre Francisco de Carvalho Lucas:[1]

Tinha grande aptidão e paciência para decifrar charadas. Algumas decifrou em verso, com muita graça. Muitas destas decifrações publicou no «Jornal de Notícias», do Pôrto, e noutros jornais, que eram muito procurados e estimados pelos amadores dêste género de quebra-cabeças. No “Eco de Poiares”, semanário que em tempo se publicou nesta vila, encontram-se algumas, decifradas em verso, que mereceram os louvores das pessoas competentes, nao só pela própria charada, como pela elegância dos versos, que muita graça tinham.

De facto, este padre seria interessado por logogrifos, dos quais era também em ocasiões autor. Logogrifos são enigmas em que as letras ou sílabas de uma palavra, que serve de conceito, formam outras palavras que se devem adivinhar.

No “Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1867” encontramos um exemplo de um logogrifo concebido pelo padre:[2]

A terceira com a quarta
Uma somma é verdadeira
De partes, que são expressas
pela segunda e terceira.

Não há ninguem que não tenha
A quarta junta á primeira;
E poucos há que dissolvão
A quarta que é derradeira.

Has de ter exp’rimentado
Muita vez a principal
Co’a primeira da segunda
E a segunda da final.

A primeira da primeira,
Com terceira, e quarta, dão
Um parente muito próximo,
Uma suave expressão.

Se procuras um retiro
Aprazivel para a gente,
Junta a terceira e primeira
Com a quarta finalmente.

Tenho em tudo um meio termo:
Não sou rico, nem sou pobre;
Não sou alto, nem sou baixo;
Não sou villão, nem sou nobre.


  1. Comarca de Arganil, 11-07-1941
  2. Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o Anno de 1867
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Sobre o Padre Francisco de Carvalho Lucas por Dias Ferrão

Bíblia asssinada pelo Padre Francisco em 1924
Bíblia asssinada pelo Padre Francisco em 1924.

Conta-nos o político e escritor poiarense José Maria Dias Ferrão, a respeito deste padre, a seguinte história:[1]

Contava êle que, em certo dia, foi à márgem direita do rio Ceira ministrar um Sacramento. Foi paramentado. Levava ao peito um crucifixo. Á volta, o barco atravessou-se no rio, que levava muita água, era no inverno, e esteve quasi a voltar-se.

Compreendeu o perigo. E, voltando-se para o que levava ao peito, disse-lhe: “Amigo, cautela. Se eu fôr para o fundo do rio, tambem tu morres afogado”.

E logo o barco foi atingir a márgem esquerda, e tudo se salvou.

Relembra ainda Dias Ferrão o seguinte episódio:[1]

Foi o Padre Francisco, quando ainda em Couchel, [mandou] fazer uma festa à capela da vizinha povoação da Marmeleira. Havia procissão, acompanhada de gaiteiro. E o mordomo preveniu-o de que, em certo lugar do trajecto, era costume a procissão parar e prègar-se um sermão. Pedia-lhe que fôsse breve, porque se fazia tarde para o jantar.

O Padre Francisco, sempre condescendente, disse ao dito mordomo que faria o sermão e que se calaria logo ele lhe fizesse sinal. A procissão seguiu e, no ponto marcado, o Padre Francisco subiu para cima de uma pedra e começou a prègar. O mordomo ouviu com toda a atenção e o povo igualmente.

Quando o mordomo viu que chegava, fez sinal ao prègador. Este, calou-se logo, o gaiteiro iniciou a sua marcha grave e a procissão entrou na capela com muita ordem e devoção.

Todos foram jantar, satisfeitos com o prègador, que fez uma oração curta, que muito lhes agradou.

José Maria Dias Ferrão nasceu na povoação de Vila Chã, em Vila Nova de Poiares, a 1 de Março de 1874. Realizou os estudos preparatórios para ingresso no curso de Direito no lugar de Casal do Ermio, onde funcionava uma academia orientada pelo padre António Homem de Carvalho.[2] Formou-se em Direito em 1902 na Universidade de Coimbra, tendo exercido nesta área na Lousã e em Lisboa. No campo da política, foi governador civil de Vila Real, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, na presidência do General Daniel de Sousa, e ainda deputado da Assembleia Nacional na 2.ª Legislatura. Na esfera empresarial foi fundador da Companhia de Cerveja Estrela, administrador da Sociedade Central de Cervejas e ainda vice-governador do Crédito Predial. Foi presidente da assembleia do Grémio da Comarca de Arganil, colaborou em diversos jornais da época, onde se incluem a “Comarca de Arganil”, “Echo Poiarense” e “O Poiarense”, e publicou várias obras, como “João Brandão” e “O Concelho de Poiares”. Foi ainda fundador do boletim “Acção Regional” onde expôs as suas ideias marcadamente regionalistas. Dias Ferrão viria a falecer em Lisboa a 20 de Dezembro de 1943.[3][4]


  1. Comarca de Arganil, 11-07-1941
  2. João Macdonald. “João Brandão - Um Estabelecimento Das Fontes Essenciais.” Arganilia – Revista Cultural Da Beira Serra, 2012
  3. Manuel Leal Júnior. Vila Nova de Poiares: Monografia. Atlântico Editora, 1978
  4. Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão. Vila Nova de Poiares: Um Passado Com Futuro. Rui Gonçalves Guedes, 2001
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Na Avessada por Aniceto Carvalho

Escreve Aniceto Carvalho:[1]

Descia-se a quelha ao lado da Avessada, seguia-se para a Boiça ou para regressar a Couchel pela encosta das Travessas e Passaria,[2] ou então cortava-se à esquerda para o Carril até ao Vilar ou Vale do Forno. Subia-se um pouco, era logo ali que abundava um arbusto de folha perene, (tipo folha de oliveira) e peganhenta com uma flor do género malmequer, amarela vistosa, um maná para centenas de escaravelhos pretos de pintas brancas do tamanho da cabeça de um dedo de adulto que por ali esvoaçavam.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho
  2. Este local é referido como “Passaria” ou “Parceria”.

Casa do Cabeço por Aniceto Carvalho

Seguem-se algumas memórias desta casa e dos seus proprietários deixadas por Aniceto Carvalho, e que correspondem ao período em que habitou em Couchel, entre 1935 e 1947:[1]

Homem do campo […] António do Cabeço tinha, no entanto um antecedente curioso: Tinha ensinado o meu pai a ler e a escrever e, se não estou em erro, alguma gente da mesma idade das redondezas, penso mesmo que a nível oficial do Estado, embora neste caso me tenha escapado o como e o porquê.

Para ensinar o meu pai a ler e a escrever na segunda metade da segunda década do Século XX, o António do Cabeço seria um remanescente mestre-escola, possivelmente um dos últimos, ao seu tempo e à dimensão do meio, talvez um homem culto.

Num local mais elevado de Couchel, na estrada que percorria a povoação, quase na saída, a casa do António do Cabeço debruçava-se num declive suave virado para um vale que se explanava para lá das Travessas até quase às Paúlas […]

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.

Fica a nota aos leitores que o mesmo deixou nos seus escritos:

Que fique bem claro: Nenhum dos epítetos locais ou situações vividas tem a menor intenção de menosprezar seja quem for.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho

Casa de Vale do Forno por Aniceto Carvalho

Seguem-se algumas memórias desta casa e dos seus proprietários deixadas por Aniceto Carvalho, e que correspondem ao período em que habitou em Couchel, entre 1935 e 1947:[1]

Vale do Forno era uma zona de Couchel, fora do lugar.

Era onde morava o Joaquim do Vale Forno, numa casa sozinha, rodeado por umas leiras de cultivo, pinheiros e mato, longe de tudo.

Ele, a mulher e o neto, o João de Vale do Forno. Os filhos e as filhas, da geração dos meus pais, há muito que tinham deixado a terra. O avô do João de Vale do Forno, o ti Joaquim de Vale do Forno, tinha pelo menos duas pedras de afiar ferramentas de gume no pátio; o quintal do ti Joaquim de Vale do Forno era paragem obrigatória sempre que por ali passáva-mos para “ir à lenha”. […]

Mesmo que os machados estivessem capazes de se fazer a barba com eles, era do ritual que por ali ninguém passava sem os amolar até cheirarem a alho.

Íamos buscar um caco de água para deitar na pá do machado e não lhe deixar aquecer o gume, o Ti Joaquim de Vale do Forno sentenciava:

  • Borrifar com água? Um machado é amolado com o suor da testa!

Era a brincar, nós sabíamos… contudo, embora pequenos, há muito que sabíamos bastante bem o que ti Joaquim nos estava a querer dizer.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.

Fica a nota aos leitores que o mesmo deixou nos seus escritos:

Que fique bem claro: Nenhum dos epítetos locais ou situações vividas tem a menor intenção de menosprezar seja quem for.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho

Casa do Seixo Branco por Aniceto Carvalho

Seguem-se algumas memórias desta casa e dos seus proprietários deixadas por Aniceto Carvalho, e que correspondem ao período em que habitou em Couchel, entre 1935 e 1947:[1]

A casa do António Pilão, mais tarde António do Seixo Branco era, de facto, a ultima casa do lugar, a seguir à Quinta e às Fontainhas, antes do cabeço, na bi-furcação da vereda para a Avessada. Casa nova, foi construída já depois do casamento dele com a filha do Matias, já eu não estava na terra.

Boa gente, embora por pouco tempo na terra, mal tenha lidado com eles. Mas lembro-me bem: Da Maria, a mulher dele, de luto carregado pelo falecimento da mãe, a mulher do Matias, que ainda conheci, e dele, acima de tudo, porque nunca esqueci que ele me tinha emprestado a bicicleta durante um mês para eu tratar dos documentos para ingressar na Aviação Militar.

O que Vale de Vaz tinha de miúdas a mais, tinha Couchel a menos. Até ao fim do meu tempo de escola, a não ser uma ou outra forasteira, em Couchel nem uma para amostra. Talvez umas duas, muito pequenas: no cabeço e a filha do Joaquim Catrapeiro. Mais nada. Até que nasceu a Melita, a filha do António do Seixo Branco e da Maria do Matias, já eu era crescidinho.

Parece-me que de miúdas em Couchel, só a minha irmã mais nova alguns anos depois… porque quando chegou a altura da Melita entrar na escola alguém a levou para Coimbra, por lá estudou, por lá casou, por lá ficou, sem no entanto ter deixado de ir e fazer temporadas na terra com frequência.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.

Fica a nota aos leitores que o mesmo deixou nos seus escritos:

Que fique bem claro: Nenhum dos epítetos locais ou situações vividas tem a menor intenção de menosprezar seja quem for.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho

Pitrolinos por Aniceto
Carvalho

Seguem-se alguns excertos de textos deixados por Aniceto Carvalho:[1]

Eu sou do tempo em que o lagar e o moinho da minha terra eram movidos à nora… mas também sou do tempo de passarem a ser movidos a motor.

No caso uma levada era desviada da Ribeira de Vila Chã, passava pelo lagar, a seguir pelo moinho, fazia o que tinha a fazer, seguia para o rio Ceira. A fabricação do azeite, como se sabe, é nesta altura do ano, próximo do Inverno… o que, na minha terra, na altura, era apreciável.

De e para a escola eu caminhava todos os dias um destes regatos a jusante do lagar, do Rossio de Vale de Vaz à Fonte das Tortas. Os resíduos empapavam as margens, a espuma negra e os detritos presos nos juncos era bem pouco agradável de ver. Vinham umas chuvas, no dia seguinte já se bebia água no ribeiro. Ninguém morria. A flora era abundante, não havia incêndios, a fauna era mais que muita, até nas portas das casas havia ninhos.

Guardar a colheita de azeite noutro tipo de vasilha que não em potes de barro vermelho vidrado, era crime na minha região. Disse-mo o meu pai. Acabava de lhe sugerir que os potes cheios de azeite que ele guardava na dispensa podiam partir-se, e que vasilhas metálicas eram muito mais seguras.

  • Nem fazes ideia do que estás a dizer.

Não só pela qualidade da azeitona, mas também, e de certo, pelo tratamento, depois pelos especiais cuidados no armazenamento, o azeite da minha região era famoso. “Famoso” é ainda hoje o termo. Sem qualquer exagero. […]

(Na região do Porto o termo “azeiteiro” é calão depreciativo, é um corno com gordura pendurado por baixo do carro de bois para olear o eixo de madeira… por isso os azeiteiros da minha terra adoptaram o nome de pitrolino…)

O que fazer, quando além da superior qualidade, a abundância de um produto da região excede largamente o consumo da população? O que faz o mundo inteiro há séculos quando produz mais do que precisa: Vende para comprar o que não tem. E os poiarenses foram vender o seu azeite. Primeiro só o superior e aromático produto lá da terra… Evoluíram, criaram um novo ramo de negócio, alargaram e diversificaram a oferta, passaram a vender tudo o que era azeite fosse qual fosse a origem.

Nem sempre a viver nas melhores condições nas terras onde deixava o suor, na sua, no entanto, o pitrolino ia de vento em popa: Comprava mais uma leira, fazia ou remodelava uma antiga casa, em curta visita ou durante uma estadia mais longa, transpirava de sucesso. E alguma jactância — diga-se.

O pitrolino trabalhava do amanhecer ao sol posto, e noite dentro, sete dias por semana. Iniciava a venda a cinco quilómetros, quando o dia despontava, atendia a última freguesa à luz da lanterna a uma hora de chegar a casa. Como sempre, no entanto, o trabalho ninguém via.

O pitrolino tinha empregados. Eram os filhos dos parentes e amigos, os miúdos acabados de sair da escola que tinham de saber o que custava a vida. Era também o que os próprios miúdos queriam. Sabiam muito bem, praticamente desde que abriam os olhos, que ali na terra não era futuro para eles; e queriam porque viam chegar os mais velhos cheios de prosápia; e queriam, porque, muito naturalmente, também não eram esses empertigados mais velhos que lhes contavam o que passavam nas vendas de azeite.

Mas era preciso ter a 4ª. Classe. “Era”… E por isso a 4ª. Classe era “obrigatória” desde há muitos anos na minha terra; “era” porque, para além da robustez fora do comum, a desenvoltura mental necessária para trabalhar numa venda de azeite não era para pategos. Nem vale a pena entrar em pormenores… Mas só para reinar, ponham hoje um jovem com o 12º. Ano a fazer e a fixar cinco somas de cinco parcelas apenas de cabeça e ao mesmo tempo.

Estes miúdos de 12 anos eram depois os mais velhos meia dúzia de anos depois… que iam para a terra todos emproados, bem vestidos, de bicicleta e relógio de pulso, com dinheiro a tilintar nos bolsos, que punham os olhos dos outros mais novos a dançar nas órbitas.

E a engrenagem continuava de geração a geração. Como sempre, o inevitável: Uns desistiam… não gostavam, era muito puxado; outros, por opção ou inércia, com os horizontes na actividade, acabavam por comprar ou fazer uma nova venda noutra terra, e às vezes, o que não era assim tão invulgar, alguns até acabavam por casar com as filhas dos patrões.

De qualquer modo muita foi a riqueza a entrar na minha zona durante mais de meio século à conta desta gente que, com os seus defeitos e virtudes, mas trabalhadora, muito beneficiou o concelho de Vila Nova de Poiares.

Deixe-se claramente dito: Pessoalmente não guardo as melhores recordações de empregado de pitrolino. Da primeira experiência. Na segunda, a mais comum, foi muito diferente. Dependia dos patrões; mas também, e muito, dos empregados que, conforme os pais lá na terra, ou eles próprios, se sujeitavam ou não. Em lugar de uma adolescência de ócio sem rumo, aos vinte anos o empregado de uma vende azeite tinha uma vida de trabalho em cima do corpo, mas também, se bem aproveitada, de constante aprendizagem ao dispor, era um homem feito, sabia o que era a vida e o que queria dela.

Ser empregado de uma venda de azeite era muito melhor do que parecia. Não ganhava assim tão mal para época, (o mesmo que um cabo especialista da aviação militar), com o patrão a suprir-lhe praticamente todas as despesas, inclusive as domingueiras, quando o empregado de uma venda de azeite voltava à terra levava intactos todos os tostões, normalmente um fato, uma bicicleta ou um relógio de pulso como prémio pelo ano de trabalho.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho

Morangueiro por Aniceto Carvalho

Segue-se um excerto de um texto deixado por Aniceto Carvalho:[1]

O morangueiro é um vinho de fraca qualidade, de baixa graduação por isso difícil de conservar, o que obriga ao seu consumo no mesmo ano da produção. Fácil consumo pelo pouco teor alcoólico, alta produção e fraca qualidade, eis o bastante para que o morangueiro nunca tenha tido qualquer interesse comercial no mundo.

Ressalve-se no entanto: A cepa do morangueiro é resistente à filoxera. E foi como protecção contra a filoxera nas vinhas tradicionais europeias que a vinha americana entrou em Portugal no Século XIX.

Com uma produção muito superior à dos vinhos europeus, a perigar a cultura dos vinhos portugueses, a comercialização do vinho morangueiro (americano), acabou por ser proíbida, ainda que largamente tolerada.

Certa noite os amigos do alheio decidiram assaltar a casa do meu avô. Aliás, foram duas.

Numa delas de nada valeram as rezas da minha avó nem as mezinhas de uma bruxa local para reaver a capoeira de galinhas; na outra os larápios passaram pela porta do quarto, a minha avó estava acordada, ou acordou, chamou-me, disse-me o que se passava e, como uma mulher sensata na circunstância, aconselhou-me a não fazer barulho e a não chamar o meu avô.

Um pequeno corredor, a cozinha, se era ou não esse o destino foi onde os ladrões pararam.

De manhã, feito o inventário, faltava uma panela de esmalte, com quase cinco litros de sopa que a minha avó tinha feita na véspera.

  • Foi o cão do António Henriques – disse o meu avô na boa.

E adiantou:

  • Como o Mondego é um cão grande, encostou as patas à porta, a tramela cedeu, ele entrou, foi direito à cozinha.
  • E levou a panela enfiada na cabeça – respondeu a minha madrinha um tanto divertida.

O meu avô olhou de lado, não se desmanchou.

  • Era gente que tinha fome – concluiu, sem ligar ao caso a menor importância. Pendurou o casaco no ombro, saiu porta fora.

Uma coisa é um pobre de Cristo roubar uma panela de sopa, a outra, muito diferente, é quando um Estado que nunca ninguém conhece de lado nenhum vem meter a mão no que é nosso.

Com a excepção de meia dúzia de corrimões que em tempos teriam produzido vinho com alguma qualidade e fama, pelo que julgo saber, a região entre o Mondego, o Ceira e o Alba estava muito longe de ser uma zona vinícola… e em Couchel, de modo geral, para além da Quinta, dava para os gastos do ano e pouco mais.

[…] eu nem sabia o que “morangueiro” queria dizer… no entanto, quando por ali apareceu a autoridade com três operacionais de enxada às costas, precisamente na propriedade das Fontainhas, na encosta que da casa do Joaquim Caseiro chegava ao Cabeço, uma luzinha brilhou no meu espírito.

Nada do outro mundo. O morangueiro lá da terra não dava nada, embora proíbida a cepa americana era tolerada, a intervenção em Couchel acabou com umas videiras cortadas rente, algumas delas bravas, que nem arrancadas foram.

Não era preciso mais espalhafato. De qualquer maneira quando Estado mete a mão no que é nosso, ninguém acha graça nenhuma. No entanto, apenas algum mau estar… Nada mais.

Lembro-me muito bem disso.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho

Eucaliptos do Cabeço

Até 1931, achavam-se “dois colossais eucaliptos” na zona mais alta do terreno da Casa das Fontainhas, no Cabeço. As árvores, que “se avistavam a grande distância”, tinham cerca de “cinco metros de diâmetro e quarenta metros de comprimento”.[1]

Conta-nos Adelino Carvalho:

Tanto o meu pai como a minha mãe falavam destes gigantescos eucaliptos que, segundo eles, deram abrigo durante muito tempo a um casal de gatos toirões. Como limpavam as galinhas da zona, várias vezes foram organizadas batidas para os apanhar, mas sempre sem sucesso.

Quando eu vim viver para Couchel, por volta de 1952, esses eucaliptos já não existiam, mas o meu pai contava que eram precisos dez homens adultos para abraçar qualquer um deles.

Num artigo de jornal, de título “Duas árvores gigantescas”, é divulgado, pelo correspondente em Couchel, que “tais árvores deixam-nos saudades […] Foram compradas pelo sr. Manuel Martins, que as está fazendo remover para a Lousã”.[1]


  1. Comarca de Arganil, 13-02-1931

Lavoura por Aniceto
Carvalho

Seguem-se alguns excertos de textos deixados por Aniceto Carvalho:[1]

Com excepção das leiras das linhas de água, de Vale do Forno, Boiça, Travessas, até à Parceria,[2] mesmo sobre os meados do Século XX, pelas exíguas dimensões ou pela dureza do solo, eram bem poucas as terras do planalto de Couchel ao pé da porta que se rendiam ao arado com facilidade.

O dia começava sempre bem cedo, de Inverno ainda noite escura. […]

Na minha terra, de agricultura basicamente de regadio em linhas de água entre encostas, embora a maior importância do milho, também se via por lá uma leira ou outra de trigo ou centeio.

Pouco ou muito, porque nada podia ficar na terra, chegada a época, para cada cereal o respectivo aproveitamento: Para o milho, um eirado, um quadrado de pequenas dimensões, pavimentado a placas de xisto, (para aquecer e amadurecer as espigas de milho para a descamisada e debulha); para o cereal de pargana, uma eira, uma superfície mais ampla que o eirado, de terra batida, com um tratamento betuminoso especial uns dias antes da malha do trigo.

O “betume” constava de um diluído de bosta de boi em água, não sei se mais alguma coisa. Limpa e terraplanada a área da eira, esta era então barrada com o produto… depois de alguns dias a secar ao Sol, nenhum macadame lhe daria melhor consistência. O cereal era estendido em camadas ao longo da eira, depois batido com varas compridas e flexíveis. Separados e guardados o grão e a palha, a eira ficava para uns bailes de verão, poucos porque o “buffet” ficava fora de mão, no resto do ano era para nós brincarmos.

Era então a época da caça ao pitorreiro. O pitorreiro era uma obra da natureza em toda a sua pujança. O pitorreiro era uma espécie de aranha. Construía um bem torneado buraco vertical na eira, num pavimento com a dureza do betão, ficava lá dentro. Fechava a porta de entrada com um alçapão do tamanho de uma pequena moeda, aguardava os acontecimentos. Era praticamente impossível descobrir os contornos do alçapão. Mas nós descobríamos. Levantávamos a tampa… o pitorreiro vinha por ali acima, deitava a mão de fora, fechava o alçapão.

Um outro habitante lá do sítio era uma lagarta comum, como milhões de outras que se viam por lá. Não sei de que espécie de insecto. Tinha um particular: Quando na forma de fazer pela vida, antes de se transformar em ninfa, vestia uma CAROÇA tal e qual uma capa de palha da Beira Alta.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho
  2. Este local é referido como “Passaria” ou “Parceria”.

Veados e Corços

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