Acessos a Couchel

Como descreve Aniceto Carvalho:[1]

Couchel é basicamente uma pequena povoação de cerca de um quilómetro, atravessada por uma estrada rural ladeada de casas de ambos os lados, com cinco veredas laterais, umas de ligação à vizinha povoação de Vale de Vaz, as outras a casas mais isoladas do povoado ou às terras de cultivo nas redondezas.

A antiga estrada principal que ligava Couchel aos lugares de Vale de Vaíde e Framilo seguia em direcção ao antigo forno de cal e saía próximo do actual cruzamento à entrada de Framilo. Haveria ainda uma ligação que passava pelos terrenos do Salgueiral para Vale de Vaíde.

Os acessos foram durante longos períodos descurados pela câmara de Poiares, o que levaria frequentemente a queixas públicas como é o caso da seguinte, publicada em 1934 pelo correspondente da Comarca de Arganil em Couchel:[2]

Esta laboriosa terra, no que respeita a melhoramentos e bemfeitorias, parece já há muito dormir o sono dos justos, não podendo por mais tempo estar votada a um ostracismo condenável e a um silêncio que a mata, se assim continuar. Os filhos de Couchel, que teem pela sua terra uma dedicação extrema, um amor sincero e leal, devem unir-se como um só homem, e organizarem o mais rápidamente possivel uma Comissão de Melhoramentos, de cujos nomes, pela sua representação social, depende a grandeza e elevação da terra que os viu nascer. Organize-se essa comissão, e, de harmonia com todos, solicite-se dos poderes públicos o auxilio de que a nossa terra necessita e carece. Couchel precisa de uma estrada em termos. Deve ser este um dos pedidos dos couchelenses, para ver se se realiza uma sua antiga aspiração. «Precisamos de uma estrada para a nossa terra!» — espalhai esta frase por todos os ouvidos, para ir transformando o desejo numa ideia fixa em tôdas as mentes, única forma de a conseguir. É árdua a tarefa dos que lutam sózinhos, e, porque assim é, uni-vos pela conquista de uma estrada que nos ligue à estrada nacional, para fazer desaparecer a que aí se encontra intransitável pelo seu mau estado de conservação.

Simultaneamente, a câmara dizia estar a “estudar” o ramal que “serve os lugares de Couchel e Vale de Vaíde”.[3] Passado um ano a questão mantém-se aparentemente votada ao esquecimento, o que leva a população de Vale de Vaíde a exigir acção rápida:[4]

Esta localidade é uma das mais populosas povoações do concelho de Poiares, que tem estado votada ao mais descaroável ostracismo. Há cerca de 20 anos funcionou aqui, durante alguns meses, uma escola móvel, regalia que deixámos de possuir. Antes, fôra construída uma fonte, mas a água foi captada nas peores condições de salubridade, de tal sorte que a população no inverno, abastece-se da água que corre pelas ruas e que escorre para a dita fonte e, na época calmosa, tem de se servir de poços distantes, porque não tem água suficiente para o consumo. São estes os melhoramentos aqui requesitados de há mais de 80 anos para cá.

Em 1931, foi iniciada a construção de um ramal para ligar esta povoação à estrada da Beira, em cujos trabalhos se dispendeu muito dinheiro, que, hoje, se considera perdido, em virtude de se não ter, concluido a obra. É uma necessidade que êsse melhoramento se efective, e, assim uma comissão de conterrâneos nossos acaba de se avistar com a camara, a quem fez entrega da seguinte representação em que se solicita o deferimento dessa nosssa justa aspiração:

Ex.mo sr. presidente da comissão administativa da camara municipal de Vila Nova de Poiares: Os abaixo assinados, moradores em Vale de Vaide, deste concelho, representando a vontade de toda a população deste lugar, veem muito respeitosamente rogar á ex.ma comissão administrativa, na pessoa de v. ex.ª para que se digne conceder a necessaria verba para com a possivel brevidade, ser concluido o ramal que liga esta já muito numerosa povoação à estrada nº 9, de 1ª classe, em Vale de Vaz, de onde esta dista apenas cêrca de 1 quilómetro.

Esse grandioso melhoramento, com o qual beneficiariam mais duas povoações—o Framilo e Couchel—foi iniciado em 1931 e lá os trabalhos se encontravam bastante adiantados quando foram suspensos e tudo abandonado, estando dentro em pouco intransitavel até para peões, e de tal modo que o grande numero de crianças destes lugares que frequentam a escola de Vale de Vaz, a uníca de que estas povoações se podem servir, teem que passar pelos matos com risco para a saude e por veses da própria vida. A continuar assim, não só prejudica muito os habitantes deste lugar, como se pode considerar perdido todo o dinheiro gasto. Portugal, devido à sábia orientação dos altos poderes do Estado Novo, é hoje uma nação que se impõe aos olhos do estrangeiro, porque tem dinheiro, boas estradas e muitos outros consideráveis melhoramentos que teem sido realizados. E não negam nunca os mesmos poderes a sua comparticipação nos melhoramentos, quando justos, ainda mesmo nos locais mais longinquos. Assim, admira-se a grande maioria daqueles a quem este concelho serviu de berço, porque ele não progride, e, enquanto os outros marcham a passos de gigante, nós esperamos pela iluminação electrica e por outros melhoramentos importantes. É, pois, animados de patriotismo e do natural bairrismo, que os expoentes se dirigem por esta forma a v. ex.ª, solicitando a conclusão do citado ramal e dando todo o apoio a v. ex.ª para a realização dos melhoramentos de que este concelho tanto carece, para se colocar ao lado dos que teem progredido, pois a sua população bem merece melhor sorte.

Vale de Vaide, 4 de outubro de 1935.

Francisco Ferreira Henriques, José Francisco Lourenço, Jaime Francisco, Raul Vaz de Carvalho, Abranches Henriques de Carvalho.

A comissão administrativa da camara mostrou os melhores desejos de nos atender, e oxala assim seja, para que em breve possamos ser dotados com essa via de comunicação. Á «A Comarca de Arganil» solicitamos tambem o seu auxilio para patrocinar a nossa pretenção, como tem feito com as aspirações de todos os povos desta região.

Uma dúzia de anos passam para que se voltem a encontrar documentadas as mesmas necessidades neste jornal regional:[5]

Foi aqui bem recebida a notícia, vinda n’A Comarca de Arganil, de que o nosso conterrâneo sr. Jaime Francisco se está a interessar junto da Casa do Concelho de Poiares em Lisboa, para que seja feito um ramal de estrada de Vale de Vaz para aqui. Oxalá aquele estimado amigo alguma coisa possa fazer em benefício da nossa aldeia, que bem digna é de ser atendida nas suas justas pretensões.

Ofício da Câmara, 1960
Ofício da Câmara dirigido ao Adelino Martins, da casa do Alpendre, 1960.

Em 1965 é referido no mesmo jornal que a estrada de Couchel foi alargada, tendo as obras sido “feitas a expensas do povo”.[6]

Couchel termina, numa das extremidades, na Estrada da Beira (Estrada Nacional 17), e a menos de dois quilómetros da Estrada Chaves—Faro (Estrada Nacional 2). A denominação Estrada Nacional começou a ser utilizada após a implantação da República, como substituição da antiga designação de Estrada Real. O troço da Estrada da Beira em Vale de Vaz fazia parte da antiga Estrada Real Lisboa–Beira. Todas as pessoas que iam para a Beira Alta utilizavam esta estrada.[7] Ambas aproveitaram o traçado de estradas mais antigas já existentes nesta zona.

Conta-nos Aniceto Carvalho:[1]

Hoje rasga-se uma auto-estrada através de uma montanha, abre-se um túnel por baixo do mar, desafia-se a natureza ao limite. Mal ou bem, é o que temos. Mas até há pouco mais de 100 anos, as estradas do Século XIX eram as rudimentares vias de comunicação por onde os nossos ancestrais tinham andado, as mesmas que tinham dado lugar às Vias Romanas, as quais que, por sua vez, eram os caminhos da Idade Média.

As vias de comunicação surgem naturalmente. Podem os urbanistas fazer os maiores esforços… porque bastam dois familiares chegados a viver em lados opostos de um pequeno jardim público para em poucos dias abrirem um carreiro na relva de uma porta à outra. É a lei natural das coisas: Ninguém vai de Lisboa a Leiria por Castelo Branco, como, por certo, há 3000 anos, ninguém vinha da gelada Beira Alta apascentar as ovelhas na aprazível planície entre a serra de São Pedro Dias e a do Carvalho pela serra da Lousã.

Chamem-lhes Iberos, Celtas, o que quiserem. Foi ontem, a dois dias da Era de Cristo. Muito antes disso, há milhares de anos que o homem vive e morre neste rectangulozinho. Perto de 30.000, no início do Paleolítico Superior, dizem as Gravuras de Foz Coa…

Mas quantos milhares serão mais que ainda não se sabe? A velha Estrada da Beira é uma via de comunicação natural. Sabe-se lá desde quando até há pouco tempo não havia melhor traçado entre a serra do interior e a planície da borda de água. O conquistador romano apenas aproveitou para transformar em Vias Romanas os dois caminhos ancestrais que se cruzavam no que é hoje Vila Nova de Poiares.

Os caminhos estavam lá. Tinham de estar.

Ainda a respeito da Estrada da Beira, escreve-nos também o historiador Pedro Santos:[8]

A Estrada da Beira é ainda hoje uma das vias mais importantes no campo da acessibilidade do concelho de Poiares. Quando projectada no século XIX foi alvo de muitas discussões! A questão da aproximação do concelho da Lousã foi uma delas bem documentada pelo Ilustre Poyarista Dr. Antonino Ferreira Lima, antigo membro das Cortes e influente político do Concelho. Em 1866 num periódico regional, o Conimbricense, o Dr. Antonino Ferreira Lima, em defesa do traçado que melhor defendia os interesses do concelho de Poiares publicava um comunicado onde chamava a atenção para as vantagens desse traçado se aproximar fortemente da sede do concelho de Santo André de Poyares, reforçando a importância duma feira de grande dimensão.