Personalidades que por cá passaram — Alexandre Herculano

No seu livro “Cenas de Um Ano da Minha Vida e Apontamentos de Viagem”, Alexandre Herculano definiu “estas airosas redondezas de Poiares como uma espécie de trecho rústico da América Inglesa”.[1] Na sua visita a Poiares, terá ficado algum tempo hospedado na Casa das Fontainhas, como nos conta o escritor José Dias Ferrão:[2]

Por volta do ano de 1853, estava em férias, na sua casa de Couchel, o dr. Francisco Ferreira de Carvalho, natural de Lombada (Vila Chã), que se havia doutorado na faculdade de Cánones da Universidade de Coimbra, em 31 de julho de 1824, e onde regia a cadeira de Direito Eclesiástico Português, em que foi substituído pelo meu antigo mestre e amigo dr. José Pereira de Paiva Pita, da Quinta da Várzea (Penacova). E encontrava-se também na Abraveia o padre José Vicente Gomes de Moura, grande humanista, professor aposentado do ensino das linguas grega e latina do antigo Colégio das Artes, hoje liceu de Coimbra.

Aproveitando esta oportunidade de fazer uma visita a estes dois homens eminentes, veio a Poiares Alexandre Herculano. Hospedou-se na Casa de Couchel, e ali estiveram os três amigos reunidos não sei por quanto tempo.

Mas o grande historiador queria aproveitar a sua estada ali para ir mais além, numa importante investigação científica e humanitária.

Queria atravessar o Mondego e ir ver Lorvão, o opulento mosteiro real das religiosas da ordem de S. Bernardo, um dos mais antigos da Europa, que fôra notável pelas suas preciosidades e pelas suas recordações históricas, onde repousam duas filhas de D. Sancho I.

Organizou-se uma pequena cavalgada, em que os dois amigos de Herculano o acompanharam até à barca do concelho, em frente da povoação da Rebordosa. Ia também na comitiva o referido cidadão Francisco Correia da Costa, que voltou para casa da margem do Mondego, com os dois ilustres poiarenses.

Na passagem em Santa Maria, o dr. Carvalho lembrou ao sábio historiador a lenda do «Bispo Negro», que ele conta como um romance da cavalaria medieval, nas páginas brilhantes das suas «Lendas e narrativas», e chamou-lhe a atenção para as inscrições gravadas nas ditas pedras que estão perto da igreja. Apearam-se e foram ver. O historiador deteve-se em frente das mencionadas inscrições. Examinou-as bem. Nada disse. Pediu, por último, a Correia da Costa que lhe mandasse, gravada em cêra, a que está na casa denominada o «celeiro», o que êste fez, sem que jámais tivesse notícia dela.

Se é certo que nada resultou da visita de Alexandre Herculano a Santa Maria, não sucedeu o mesmo com a sua estadia em Lorvão, porque do fundo do estreito, onde fica situado o convento, escreveu êle a memorável carta dirigida ao conselheiro António de Serpa Pimentel, que está publicada no volume I dos «Opusculos», onde, a par duma profunda e justa apreciação histórica, se revelam os mais nobres e elevados sentimentos de humanidade.

Dêste valiosíssimo documento, resultou que o Govêrno de então viesse em socorro das pobres freiras que ainda existiam naqueles ruinosos claustros, onde a tristeza, a fome e a velhice as ia matando lentamente.


  1. “Cenas de Um Ano da Minha Vida e Apontamentos de Viagem” de Alexandre Herculano ↩︎
  2. Comarca de Arganil, 05-07-1940 ↩︎