Casa da Quinhas por Aniceto Carvalho
Seguem-se algumas memórias desta casa e dos seus proprietários deixadas por Aniceto Carvalho, e que correspondem ao período em que habitou em Couchel, entre 1935 e 1947:[1]
O António da Quinhas teria uns onze ou doze anos quando entrei na escola. Já crescidinho dava cabo da cabeça das miúdas a fazer-lhes judiarias. Mãe viúva, com grandes dificuldades, acabou a Quarta Classe, teve de zarpar para Lisboa. O irmão dele, o Domingos, era da minha idade.
Morrera-lhes o pai há pouco tempo, estavam a passar uma daquelas. Lembrava-me vagamente disso: Do pai deles, um homem alto, de gabardina branco sujo, que até a mim me surpreendia pela magreza doentia. De repente tinha regressado a Lisboa, tentar fazer face à doença.
Morreu pouco depois. A Quinhas voltou à terra com os filhos, (a contar com a ajuda da sogra, a morar em frente). Assim que o Domingos acabou a Quarta Classe comigo, no mesmo dia, ainda saíram da terra primeiro que eu. […]
(A casa onde morava a avó dele, foi mais tarde comprada pelo meu pai).
Teria os meus nove ou dez anos, andava na Ribeira do meu avô ao pasto para os coelhos, dei uma forte foiçada na base papuda do polegar da mão esquerda, o sangue jorrou como numa torneira. (Ainda cá tenho a marca).
Assustei-me, sozinho, sem saber que fazer, desatei num berreiro.
A Quinhas andava a trabalhar do quintal, no alto da arriba que se debruçava para a Ribeira, onde eu estava. Lá de cima mediu a minha aflição.
- Que foi, Aniceto? — perguntou. Disse-me para ir ter com ela.
Galguei os 50 metros de falésia quase a pique em dois pulos. Golpe feio, tinha deixado pendurados um bom pedaço de carne e pele quase na palma da mão… Nada demais nas mãos milagreiras de um mulher.
Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.
Fica a nota aos leitores que o mesmo deixou nos seus escritos:
Que fique bem claro: Nenhum dos epítetos locais ou situações vividas tem a menor intenção de menosprezar seja quem for.