Padre Francisco de Carvalho Lucas

Casa da Avessada

Na única casa da Avessada de Couchel nasceu e faleceu o Padre Francisco Ferreira de Carvalho Lucas, filho do barbeiro João Ferreira de Carvalho Lucas,[1][2] e afilhado do Padre Francisco Ferreira de Carvalho.[3] Era “um grande orador sagrado, sendo célebres os seus sermões pregados nas igrejas das redondezas”.[4]

Escreve José Dias Ferrão a respeito deste padre:[2]

Era dotado duma inteligência viva, alegre, cáustico e excelente cavaqueador. Tinha para tudo uma anedota, que ele sabia acompanhar, nos momentos de boa disposição, com um riso franco e comunicativo. Era como Esopo, célebre fabulador grego, que tudo castiga com o riso. O riso do ridículo.

Era natural do lugar de Couchel, filho do barbeiro João Ferreira Lucas, que desde criança o entregou aos estudos e o meteu no Seminário de Coimbra, para tomar o estado eclesiástico. Tal era a aspiração de seu pai. Mas parece que não era a dele, porque desde a adolescência que mantinha no seu coração uma tendência amorosa, que era forçado a contrariar. E foi essa paixão que lhe inspirou os primeiros versos e o tornou familiar das Musas.

Mas, apesar de tudo, não fez como o “Ingénuo” de Voltaire, que, por causa do amor que dedicou à formosa menina de Saint-Yves, se recusou a tomar ordens de sub-diácono.

O padre Francisco Ferreira de Carvalho Lucas tirou, com distinção, o seu curso do Seminário, tomou ordens e cantou missa na igreja de Poiares.

Mas a poesia acompanhou-o sempre como um dom natural, embora o amor fôsse esmagado ao nascer. Ele continuou a cantar “como o amor morre!”.

E os seus versos, lidos aos seus amigos, que os admiravam, poucos viram a luz da publicidade, porque neles se revelava, como nos sonetos de Camões, a paixão da “Natércia”, que pretendia disfarçar.

Muitas anedotas, em que era ele próprio o autor, entretinham e animavam a sua conversação, sempre interessante, quando os seus horríveis sofrimentos lhe davam um pouco de descanso. […]

Pode, pois, considerar-se o padre Francisco como uma figura interessante, um poeta e um orador sagrado a quem não faltavam qualidades de talento e inspiração.

Era ainda, segundo algumas fontes, nomeadamente a Monografia de Vila Nova de Poiares de Manuel Leal Júnior, um “grande matemático”.[4][5][6] No entanto, José Maria Dias Ferrão considera que tal não passa de um equívoco:[2]

Muito se havia de rir o Padre poeta, como em tempo lhe chamavam, se ainda fôsse vivo em 13 de janeiro último, quando lhe fôssem dizer que, a Câmara do seu concelho, o havia proclamado “grande matemático”.

Tudo poderia esperar dos seus conterrâneos, de quem sempre viveu longe, menos esta proclamação, que, se nada tem de ofensiva, é de todo destituída de verdade.

Nem o padre Francisco se dedicou ao estudo das ciências abstratas, nem jamais teve tal pretenção, quando nas suas horas vagas resolvia simples problemas de aritmética elementar, como a obtenção da superfície dum quintal e a cubagem de uma pipa, coisas que alguns professores de instrução primária do seu tempo completamente ignoravam.

É possível que se tenha confundido, por alguma razão, este padre com Rufino Guerra Osório (1810-1871), natural de São Miguel de Poiares, membro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e professor de matemática na Universidade de Coimbra, com diversas obras publicadas na área da matemática, geometria e trigonometria.[7][8]

Logo após a sua ordenação, foi convidado para capelão de Serpins, para onde ia todos os domingos partindo de Couchel, montado numa égua do seu pai, em que ele andava a fazer a barba aos seus fregueses.[2] Passaria por diversas paróquias, como a de Cantanhede, onde passou a maior parte da sua vida pastoral, e que o faria “conhecido e apreciado em quasi tôda a Bairrada”,[2] e concorreria a outras, como a de Buarcos.[9]

Paroquiava a freguesia de Vila Nova de Ceira desde 1894[10][11] quando a 15 de Agosto de 1898 inaugurou a Capela de Nossa Senhora da Candosa, no “pitoresco cêrro do Cabril”, com a ajuda de um “grupo de homens bons, seus amigos e paroquianos”.[12]

O padre Francisco acabaria por se aposentar em 1912.[13][11] Pode ler-se a esse respeito na Comarca de Arganil:[14]

Retirou para Couchel, sua terra natal, o sr. padre Francisco Ferreira de Carvalho Lucas, que há 17 annos parochiava esta freguezia. O sr. Padre Francisco deixou entre nós inumeras saudades, pela sympathia que sempre nos mereceu e pela amizade que sempre nos dispensou. Esta freguesia[15] mostra-se devéras compungida com a sua sahida.

Publica ainda José Maria Dias Ferrão, na Comarca de Arganil:[2]

Quando vagou a igreja da Várzea de Góis, por morte do antigo pároco, padre Napoles, o padre Francisco Ferreira Lucas concorreu a esta paróquia, por ser de menos trabalho do que aquela em que estava, porque já a êsse tempo a doença o atormentava.

Foi nela colado, e ali exerceu a paroquialidade, embora com sacrifício, durante alguns anos, até que, sendo separada a igreja do Estado, pelo novo regimen, e não podendo trabalhar, não havendo aposentação para os párocos, viu-se forçado, por necessidade, a receber uma pensão humilhante, que lhe dava cêrca de 13$00 mensais e a ir acabar os dias em Couchel, em situação muito precária, senão miserável. […]

Ultrapassou muito a vulgaridade de alguns dos seus conterrâneos pelo mérito intelectual, que o poderia ter levado muito mais longe se não fôsse uma pertinaz doença que o acompanhou durante muitos anos, e, por último, lhe criou o desprêzo da vida até à completa aniquilação.

Terá falecido na Avessada de Couchel, onde nasceu, por volta do ano de 1924.[10]