Sobre o Padre Francisco de Carvalho Lucas por Dias Ferrão
Conta-nos o político e escritor poiarense José Maria Dias Ferrão, a respeito deste padre, a seguinte história:[1]
Contava êle que, em certo dia, foi à márgem direita do rio Ceira ministrar um Sacramento. Foi paramentado. Levava ao peito um crucifixo. Á volta, o barco atravessou-se no rio, que levava muita água, era no inverno, e esteve quasi a voltar-se.
Compreendeu o perigo. E, voltando-se para o que levava ao peito, disse-lhe: “Amigo, cautela. Se eu fôr para o fundo do rio, tambem tu morres afogado”.
E logo o barco foi atingir a márgem esquerda, e tudo se salvou.
Relembra ainda Dias Ferrão o seguinte episódio:[1]
Foi o Padre Francisco, quando ainda em Couchel, [mandou] fazer uma festa à capela da vizinha povoação da Marmeleira. Havia procissão, acompanhada de gaiteiro. E o mordomo preveniu-o de que, em certo lugar do trajecto, era costume a procissão parar e prègar-se um sermão. Pedia-lhe que fôsse breve, porque se fazia tarde para o jantar.
O Padre Francisco, sempre condescendente, disse ao dito mordomo que faria o sermão e que se calaria logo ele lhe fizesse sinal. A procissão seguiu e, no ponto marcado, o Padre Francisco subiu para cima de uma pedra e começou a prègar. O mordomo ouviu com toda a atenção e o povo igualmente.
Quando o mordomo viu que chegava, fez sinal ao prègador. Este, calou-se logo, o gaiteiro iniciou a sua marcha grave e a procissão entrou na capela com muita ordem e devoção.
Todos foram jantar, satisfeitos com o prègador, que fez uma oração curta, que muito lhes agradou.
José Maria Dias Ferrão nasceu na povoação de Vila Chã, em Vila Nova de Poiares, a 1 de Março de 1874. Realizou os estudos preparatórios para ingresso no curso de Direito no lugar de Casal do Ermio, onde funcionava uma academia orientada pelo padre António Homem de Carvalho.[2] Formou-se em Direito em 1902 na Universidade de Coimbra, tendo exercido nesta área na Lousã e em Lisboa. No campo da política, foi governador civil de Vila Real, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, na presidência do General Daniel de Sousa, e ainda deputado da Assembleia Nacional na 2.ª Legislatura. Na esfera empresarial foi fundador da Companhia de Cerveja Estrela, administrador da Sociedade Central de Cervejas e ainda vice-governador do Crédito Predial. Foi presidente da assembleia do Grémio da Comarca de Arganil, colaborou em diversos jornais da época, onde se incluem a “Comarca de Arganil”, “Echo Poiarense” e “O Poiarense”, e publicou várias obras, como “João Brandão” e “O Concelho de Poiares”. Foi ainda fundador do boletim “Acção Regional” onde expôs as suas ideias marcadamente regionalistas. Dias Ferrão viria a falecer em Lisboa a 20 de Dezembro de 1943.[3][4]
- Comarca de Arganil, 11-07-1941 ↩︎
- João Macdonald. “João Brandão - Um Estabelecimento Das Fontes Essenciais.” Arganilia – Revista Cultural Da Beira Serra, 2012 ↩︎
- Manuel Leal Júnior. Vila Nova de Poiares: Monografia. Atlântico Editora, 1978 ↩︎
- Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão. Vila Nova de Poiares: Um Passado Com Futuro. Rui Gonçalves Guedes, 2001 ↩︎