Velha Casa da Ladeira por Aniceto Carvalho

Seguem-se algumas memórias desta casa e dos seus proprietários deixadas por Aniceto Carvalho, e que correspondem ao período em que habitou em Couchel, entre 1935 e 1947:[1]

A casa do meu avô era a primeira à direita, logo à chegada a Couchel. Na verdade do meu avô por casamento com a minha avó. O meu avô tinha dois braços para trabalhar, e ao que me consta, um homem da cabeça aos pés. Tiveram seis filhos: O meu tio Adosindo, falecido de tuberculose, bastante novo, antes de eu ter nascido, o meu pai, o meu tio Joaquim, que era invisual, a minha tia Alcina, o meu tio José e a minha tia Dora.

Com excepção da minha avó, a matriarca, com quem mais convivia, que por isso andávamos constantemente os dois às turras, mas que dizia bem de mim a toda a gente, todos me adoravam na família. Mesmo nos tempos difíceis da Segunda Guerra, o meu avô tinha boa casa.

[Uma casa] tão velha que na trave superior da porta de entrada, num buraco aberto pelo passar dos anos, uma carriça vinha ali criar a prole como se tudo aquilo fosse da Joana… Uma carriça confiante e com sorte: Com sorte, porque o “charlot”, o gato lá de casa, dava saltos de cerca de três metros, do chão, na vertical, apanhava qualquer rato que mostrasse os bigodes entre o forro e o telhado.

A Velha Casa da Ladeira via-se, e vê-se ainda, da Estrada da Beira, na Tapada de Vale de Vaz, lá no alto, debruçada na várzea da Ribeira de Vila Chã. Era a casa do meu avô, em Couchel, onde fui criado até aos doze anos.

De frente, o portão do telheiro. À esquerda, por baixo das janelas, a porta principal da casa, das visitas, por onde entrava o padre na Páscoa. Mais à esquerda, que mal se veem, a porta de uso da casa, da sala de jantar e cozinha, a seguir um pequeno quarto, num corredor até ao quintal; a última porta da rua, um palheiro praticamente sem serventia na época.

Por cima, uma sala ampla, quartos, uma varanda de madeira virada para as terras de Couchel, para as Travessas, para a Avessada, por ali fora. Por baixo a loja: A adega, arcas, a salgadeira, potes de azeite.

O telheiro era dividido em duas partes: De um lado, a pocilga, o curral das ovelhas e das cabras, coelheiras; do outro, lenha de reserva, etc. A capoeira das galinhas era entre a saída da loja e a entrada do telheiro.

Na parte de trás da casa, excedendo o comprimento de toda a casa, um quintal do tamanho de um campo de futebol, com hortaliças do dia a dia na parte de trás da área habitada, a mais sombria e húmida, para o lado oposto aproveitamento geral, um pouco de vinha e árvores de fruto.

Com algumas poucas excepções para melhor ou para pior, o que nem sempre era o que parecia, a condição económica das gentes da minha região raramente era muito diferente do que se passava em casa do meu avô.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.

Fica a nota aos leitores que o mesmo deixou nos seus escritos:

Que fique bem claro: Nenhum dos epítetos locais ou situações vividas tem a menor intenção de menosprezar seja quem for.