A Minha Terra por Aniceto Carvalho

Seguem-se alguns excertos de textos deixados por Aniceto Carvalho sobre a terra onde cresceu:[1]

Couchel é basicamente uma pequena povoação de cerca de um quilómetro, atravessada por uma estrada rural ladeada de casas de ambos os lados, com cinco veredas laterais, umas de ligação à vizinha povoação de Vale de Vaz, as outras a casas mais isoladas do povoado ou às terras de cultivo nas redondezas.

Chegava-se a Couchel, e chega-se ainda hoje, por uma estrada escavada obliquamente na encosta de xisto, na qual, a partir do terceiro troço, só com alguns cuidados na escolha das velocidades e sem abrandar o pé do acelerador, se chegava ao planalto sem tremuras nem vacilações.

Num planalto, portanto, Couchel tinha cerca de trinta casas, alimentava na altura uma população a rondar as sete dezenas de almas, muito longe da fome e da miséria que hoje se vê noutras lonjuras por esse mundo fora.

Couchel não era o que parecia à chegada… Rodeado de linhas de água, de uma rua só, como uma coluna vertebral, toda a parte de trás da povoação inclinava suave numa zona de microclima incomum de aceitável regadio.

A minha pobre aldeia, (não tão pobre como as de Oklahoma e do Norte do Texas na mesma altura), no interior do Distrito de Coimbra, tinha cerca de 30 fogos, entre estes meia dúzia de casas mais ou menos burguesas. Os tempos foram passando, os aburguesados morreram, os descendentes foram à vida e deixaram a terra e as terras, tudo o resto foi atrás.

Beira Litoral Interior, a dois passos da Beira Alta. […]

Seguindo de Coimbra pela Estrada da Beira (Nº. 17), a cerca de 20 quilómetros, logo depois de passar ao lado da Ponte Velha, encontra-se a placa com a indicação do lugar de Vale de Vaz. Aí, no entanto, é a Tapada de Vale de Vaz. Foi onde o autor deste modesto trabalho sobre Vila Nova de Poiares nasceu… a cerca de cem metros do cruzamento para Couchel. E Couchel, que dali se vê no cimo da colina, à direita, foi onde o autor foi criado até aos doze anos. Vale de Vaz é a povoação que ladeia a estrada, logo a seguir à Tapada de Vale de Vaz.

Tudo o que somos, o que comemos, o que bebemos, até os medicamentos que tomamos para a saúde, tiramos da terra que pisamos. Toda a agricultura na minha terra era aproveitada de linhas de água, de terras razoavelmente aráveis e férteis, drenadas de poços e valas, alimentadas de nutrientes que escorriam das encostas em redor. Ínsua, Vale do Forno, Boiça, Marmeleiros, Património, Abelheiras. De subsistência… o melhor que havia, no entanto. Aquelas terras sagradas, hoje a mato de metros, alimentaram gerações de seres humanos que nunca pensaram em atravessar desertos e oceanos para se venderem como escravos em paraísos distantes. Bastava-lhes trabalhar.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.