Lavoura por Aniceto Carvalho

Seguem-se alguns excertos de textos deixados por Aniceto Carvalho:[1]

Com excepção das leiras das linhas de água, de Vale do Forno, Boiça, Travessas, até à Parceria,[2] mesmo sobre os meados do Século XX, pelas exíguas dimensões ou pela dureza do solo, eram bem poucas as terras do planalto de Couchel ao pé da porta que se rendiam ao arado com facilidade.

O dia começava sempre bem cedo, de Inverno ainda noite escura. […]

Na minha terra, de agricultura basicamente de regadio em linhas de água entre encostas, embora a maior importância do milho, também se via por lá uma leira ou outra de trigo ou centeio.

Pouco ou muito, porque nada podia ficar na terra, chegada a época, para cada cereal o respectivo aproveitamento: Para o milho, um eirado, um quadrado de pequenas dimensões, pavimentado a placas de xisto, (para aquecer e amadurecer as espigas de milho para a descamisada e debulha); para o cereal de pargana, uma eira, uma superfície mais ampla que o eirado, de terra batida, com um tratamento betuminoso especial uns dias antes da malha do trigo.

O “betume” constava de um diluído de bosta de boi em água, não sei se mais alguma coisa. Limpa e terraplanada a área da eira, esta era então barrada com o produto… depois de alguns dias a secar ao Sol, nenhum macadame lhe daria melhor consistência. O cereal era estendido em camadas ao longo da eira, depois batido com varas compridas e flexíveis. Separados e guardados o grão e a palha, a eira ficava para uns bailes de verão, poucos porque o “buffet” ficava fora de mão, no resto do ano era para nós brincarmos.

Era então a época da caça ao pitorreiro. O pitorreiro era uma obra da natureza em toda a sua pujança. O pitorreiro era uma espécie de aranha. Construía um bem torneado buraco vertical na eira, num pavimento com a dureza do betão, ficava lá dentro. Fechava a porta de entrada com um alçapão do tamanho de uma pequena moeda, aguardava os acontecimentos. Era praticamente impossível descobrir os contornos do alçapão. Mas nós descobríamos. Levantávamos a tampa… o pitorreiro vinha por ali acima, deitava a mão de fora, fechava o alçapão.

Um outro habitante lá do sítio era uma lagarta comum, como milhões de outras que se viam por lá. Não sei de que espécie de insecto. Tinha um particular: Quando na forma de fazer pela vida, antes de se transformar em ninfa, vestia uma CAROÇA tal e qual uma capa de palha da Beira Alta.

Aniceto Ferreira de Carvalho nasceu em Março de 1935, na localidade de Vale de Vaz. Cresceu em Couchel e, terminada a 4ª classe, foi trabalhar para Rio de Mouro (Sintra). Aos 17 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa como mecânico de avião e mais tarde como especialista mecânico de material aéreo. Veterano da Guerra do Ultramar, faleceu no mês de Março de 2020.


  1. “Regresso a Couchel” de Aniceto Carvalho ↩︎
  2. Este local é referido como “Passaria” ou “Parceria”. ↩︎