Sobre Poiares por Augusto Simões

O Concelho de Poiares oferece muitos aspectos de interesse que o tornam aconselhável para uma visita demorada. Situado a 30 kms. de Coimbra, alcança-se pela magnífica Estrada da Beira (E. N. n.º 17-1.ª) que, até o atingir, se desenrola num admirável cenário, marginando o Ceira e mostrando as suas declivosas margens que não perdem o encanto, por não lhe comunicarem o tom triste da sua folhagem, as muitas oliveiras que as povoam.

Concelho sem grandes fastos, tem-se mantido Poiares dentro de despretenciosa mediania, muito embora tenha, para seu orgulho, a honra de poder contar entre os seus filhos com numeroso escol de homens ilustres, que se distinguiram nos mais variados campos da intelectualidade.

Habitado por cerca de 9.000 almas, distribuídas irregularmente na sua centena de quilómetros quadrados, formou-se no concelho um meio ambiente que transmitiu ao poiarense uma normal insatisfação no amodorramento da vida sedentária; por isso, atraído pela magia do desconhecido, lança-se em busca de melhores meios de fortuna, deixando o seu torrão natal, para labutar resignada e persistentemente até os alcançar.

Mas, porque a separação não o deixa esquecer as terras, mimosas ou adustas, que o viram nascer, cuja recordação lhe tonifica a alma e tempera a vontade, quando alcançou situação que lhe permita vida menos dura do que o duro labor dos campos de onde saiu, regressa, ufano do triunfo, para erguer no seu rincão alguma coisa que lhe aumente o valor e o possa levar, dignificado pelo seu esforço, à primazia que foi o seu sonho de sempre.

A origem do nome do concelho não se encontra devidamente averiguada. Para alguns, deriva ele dos fornos de coser pão em que, para os utilizar, se pagava «a poia» que era um tributo específico; então, poiar corresponderia ao direito de coser nesses fornos de poia e, daqui, se teria chegado a Poiares, compreensivelmente. Para outros, o nome deriva da forma característica do próprio pão, que se tornou célebre por ser especialmente saboroso, fabricado com o terreano cereal tremês, de forma redonda e com uma «testa» ou pequena cabeça, em cuja arquitectura se especializaram notàvelmente muitas padeiras poiarenses.

O Concelho é predominantemente agrícola e florestal, começando agora a desabrochar a sua industrialização. Razoàvelmente servido de meios de comunicação, quase todos os povos têm a sua estrada, pelo que se vai notando de ano para ano mais progresso e mais vida nas aldeias. Encontram-se a cada passo nos usos e costumes locais reviviscências arábicas e mouriscas. Povos há que, dedicados a determinados mesteres, trabalham por forma a guardarem os seus processos de operar, quase sempre sujeitos a apertados cânones que vêm passando de pais a filhos.

O artesanato ocupa muitos braços na luta pelo pão de cada dia. Fabricam-se palitos para os dentes, ou simples e afilados pedaços de madeira branca do choupo, que são os mais comuns, ou os conhecidos «palitos de flores», verdadeiras filigranas de madeira, merecedoras de figurarem nas mesas mais ricas. Esta indústria caseira, muito comprometida hoje em dia, representou, na economia local, em tempos idos, a possibilidade de obtenção de meios de troca directa, de valor assegurado, que conferiam à família tudo de quanto esta carecia. Reduzidíssima hoje, tende infelizmente a desaparecer, o que conduz a um natural engrossamento da corrente emigratória.

A par desta importante actividade artesana, vivem ainda outras não menos importantes, entre as quais se destacam a do fabrico de mós, a da louça negra, a da tecelagem, a das ceiras e capachos e a de toda a obra de canastreiro. Como o concelho não conseguiu ainda a sua conveniente electrificação, a indústria mecanizada não tem podido atingir o procurado desenvolvimento, limitando-se a sua expressão a algumas serrações, cerâmica, fabrico de cal parda, e a indústria dos transportes.

Possui Poiares o seu prato regional, que conta numerosíssimos apreciadores: a «chanfana» ou «carne de casamento», assim chamada por ser iguaria obrigatória nas celebrações nupciais.

Mas para além das suas características mais peculiares do agregado de almas que um liame de comuns sentimentos e traços múltiplos pôde transformar em Município, a colocação geográfica de Poiares, concedendo-lhe notável conjunto de admiráveis panoramas, horizontes sem fim, donde sai beleza e perene encantamento.

A par de tudo isto, tem o concelho de Poiares muitos outros interessantes motivos de agrado e interesse, quer na arquitectura das suas igrejas paroquiais, erguidas há muitas centenas de anos, quer na sua festa anual em honra da sua padroeira, Nossa Senhora das Necessidades, que é verdadeira assembleia geral da população concelhia, a que sempre comparecem muitos dos poiarenses que andam dispersos, labutando em terra estranha.

Enfim, como os ares são magníficos e quase sempre coados pela ramaria dos pinheiros e a água é abundante e puríssima, o concelho de Poiares é um cantinho mimoso onde se podem gosar os prazeres do campo com a maior comodidade. Por tudo isto, uma visita a Poiares não deixará de criar as mais gratas recordações.

Poiares Julho, de 1954 — Dr. Augusto Duarte Henriques Simões

O Dr. Augusto Duarte Henriques Simões nasceu nos Moinhos de Baixo, freguesia de São Miguel de Poiares, a 19 de Junho de 1908. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi Presidente da Comissão Concelhia de Poiares da União Nacional e mais tarde Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares entre 1948 e 1960. Foi igualmente Presidente da Assembleia Geral dos Bombeiros Voluntários durante 14 anos, Procurador ao Conselho da Província da Beira Litoral e Vogal da Junta Distrital de Coimbra.[1]

Como Deputado na Assembleia Nacional em representação do Distrito de Coimbra ficam evidentes nos debates as preocupações que tinha com a região, intervindo sobre temas como a electrificação rural, abastecimento de água, viação e transportes, venda ambulante de azeite e problemas relacionados com a olivicultura, combate aos incêndios florestais, defesa do artesanato português, entre outros.[2]

Augusto Simões faleceu a 28 de Maio de 1984.[1]


  1. Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão. Vila Nova de Poiares: Um Passado Com Futuro. Rui Gonçalves Guedes, 2001 ↩︎
  2. Assembleia da República — Simões, Augusto Duarte Henriques ↩︎